BRASILEIROS VISITAM ACAMPAMENTOS SAHARAUI E PEDEM QUE LULA RECONHEÇA A RASD


Por Pedro César Batista*

Delegação de 33 brasileiros, representantes de movimentos de solidariedade, internacionalistas, jornalistas, comunicadores e ativistas sociais, visitou os acampamentos saharaui, localizados na Argélia, na fronteira com o Sahara Ocidental, entre os dias 10 e 20 de novembro, e puderam comprovar os crimes praticados pelo Reino do Marrocos contra um povo que resiste de armas na mão em defesa da libertação de seu território, em uma luta completamente escondida pelos meios de comunicação, silenciada pelos agentes do imperialismo e corruptos que se vendem aos marroquinos.

A organização da caravana levou aproximadamente um ano, após o convite feito pela Frente Polisário à Associação de Solidariedade e pela Autodeterminação do Sahara Ocidental - ASSARAAUI, de Brasília, que se reuniu em dezembro de 2022 para definir a viagem de solidariedade internacionalista e anticolonial.

Os ativistas de Brasília (aos quais me incluo), Rio de Janeiro, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e São Paulo saíram de Guarulhos, fizeram uma parada em Argel, onde conheceram a grandeza revolucionária de um gigante socialista, Argélia. A duração da viagem foi de quase 20 horas, mais o tempo das conexões em Roma e na capital argelina. Em Argel, o representante da Frente Polisário no Brasil, Ahmed Mulay Aly, recepcionou a delegação, que, em seguida partiu do Mar Mediterrâneo para Tindouf, na fronteira com o Sahara Ocidental, em um voo de quase três horas. Chegamos por volta de 3 horas da manhã e embarcamos em ônibus até a cidade de 27 de fevereiro, na wilaya de Boujador, sendo recepcionados por mulheres que nos aguardavam. Nesse momento, a caravana foi dividida em grupos, cada um seguindo para uma residência.

Chegada aos acampamentos

Meu grupo ficou na casa de Nasra Daif Larusi, esposa de Ahmed, com três filhos, Dai (9), Larousse (7) e Mohamed (4), onde fomos muito bem recebidos, alojados em uma sala confortável, com tapetes coloridos e rodeada de sofás, organizados lado a lado, onde dormimos, agasalhados com grossos cobertores para aquecer do frio da madrugada. Um repouso reconfortante após a longa viagem.

UM POVO ORGANIZADO EM COMBATE

Iniciava-se uma grande descoberta e aprendizado com a convivência com o povo saharaui, esse que é acostumado com as intempéries do deserto, com altas temperaturas de dia e baixas temperaturas pela madrugada, preservando sua cultura, identidade e a ligação com o seu passado, quando enfrentou o colonizador espanhol e agora Marrocos, que ocupa seu território, rouba suas riquezas e obriga a população a viver em acampamentos de refugiados. O povo saharaui mantem a mesma estrutura política e territorial que possuía em seu território, com o Estado com a Presidência da República, Ministérios, Estados (Wilayas), Parlamentos nacional, estaduais e municipais, sociedade civil organizada, forças militares de defesa interna e externa, esta atuando no front contra o invasor marroquino.

A vida nos acampamentos é muito difícil, mas a disposição de seu povo no combate pela sua soberania e autodeterminação segue cada vez mais fortalecida.

Primeira manhã no acampamento de Boujador

Na manhã de domingo (12/11), o jornalista Paulo Miranda, acompanhado do grupo que estava com ele na residência – que integrei, saiu para fazer uma matéria ao vivo direto para a TV Comunitária de Brasília. Paulo destacou que é “um atraso muito grande o Brasil não reconhecer a RASD”, em seguida destaquei que “estamos lá para conhecer a realidade do povo saharaui que enfrenta o invasor marroquino”; Suami Abdala relatou a importância da viagem e sua identificação com o povo saharaui “o único país árabe que tem o espanhol como seu segundo idioma”; para Carlos Prates “apoiar a luta do povo saharaui em defesa em defesa de sua soberania e conhecer outro modo de vida tem grande importância”. Essa manhã foi para os grupos descansarem, após a longa viagem, porém muitos aproveitaram para caminhar pelas ruas, quase desertas, onde as crianças circulavam e observavam os visitantes e se aproximavam de forma bem carinhosa e amistosa.

Crianças saharaui

REUNIÕES E APRENDIZADOS

Pela tarde, a delegação foi recebida pela governadora da wilaya de Boujador, Dih Mohamed Chadad, dentro da sede do governo no centro administrativo do Estado. A governadora informou como funciona a estrutura política do estado, que possui 25 mil habitantes, destacou, porém, que “os países imperialistas nos obrigam a nos defender pelas armas, onde quase todos os homens e mulheres estão armados para libertar nosso país”. Chadad agradeceu a presença da delegação brasileira, que tem grande importância para o povo saharaui. Antes de encerrar, vários membros da delegação se manifestaram, entre as quais a presidente da ASSARAAUI, Maria José Maninha, afirmou que "a Frente Polisário pode contar com a solidariedade brasileira, uma luta antiga no Brasil".


Governadora da wilaya de Boujador, Dih Mohamed Chadad

As reuniões se deram nas wilayas de Auserd, Smara e Boujador. A delegação circulava nas rodovias no deserto, admirava a imensidão espacial onde o povo vive e se organiza para seguir sua luta. Chamou a atenção a qualidade do asfalto das rodovias, construída nas areias do deserto, com uma qualidade de excelência, sem nenhum buraco, ondulação ou defeito (muito diferente do Brasil).


Rodovias nos acampamentos

PRESOS E DESAPARECIDOS SAHARAUIS PELOS ATAQUES DO INVASOR.

Na Associação de Familiares de Presos e Desaparecidos do Sahara Ocidental – AFAPREDESA, a delegação teve acesso às informações sobre os crimes praticados pelo Reino de Marrocos contra o povo saharaui. Marrocos pratica permanentemente os ataques contra a população civil saharaui nas áreas ocupadas, com prisões arbitrárias e a constante prática da tortura nas prisões. São mais de 750 desaparecidos e mais de 1 mil presos pelo invasor.


Sid Elkon

Sid Elkon, um dos líderes da AFAPREDESA, recebeu a delegação na sede da associação onde deu todos os detalhes sobre as ações criminosas praticadas pelos invasores. O movimento exige a liberação do acesso à imprensa da área ocupada, o que Marrocos não permite.

MURO DA VERGONHA CERCADO POR 8 MILHÕES DE MINAS TERRESTRES

Na visita ao Museu da Resistência, a delegação teve acesso aos detalhes sobre a ocupação do território saharaui.

Para impedir que a RASD tenha acesso aos 2/3 do território ocupado, área onde existe petróleo, fosfato, ouro e acesso ao Atlântico, local que tem um dos mais ricos bancos pesqueiros, o invasor pratica todos os tipos de crimes. Marrocos retira as riquezas e comercializa com o mundo como se fossem suas. Na área invadida estão grandes minas de fosfato, sendo o agronegócio brasileiro um dos principais compradores do roubo marroquino.

Maquete do muro de 2.720 quilômetros

Para manter a colonização e o roubo das riquezas, Marrocos construiu um muro de 2.720 quilômetros, que sai do Sul no Atlântico e vai até a fronteira norte com a Argélia. Ao longo de toda extensão, o muro possui uma cerca de arame farpado com uma vala de 3 metros de profundidade dos dois lados, com a instalação de 8 milhões de minas terrestres, mantidos por 150 mil soldados marroquinos, com armamentos de primeira geração. A Frente Polisário enfrenta o invasor com alguns milhares de homens e mulheres armados, mas conscientes e convictos de seu papel histórico.

Marrocos que não respeita o Direito Internacional, que tem inúmeras decisões nas Nações Unidas, do Tribunal Penal Internacional e da União Africana que reconhecem o Sahara Ocidental como uma nação soberana, entretanto não permite a realização do referendo sobre o tema. Ocupa e segue roubando as riquezas saharauis diante do silêncio do mundo.


Museu da Resistência

O Museu da Resistência, localizado na cidade de Rabuni, preserva os registros da luta contra o invasor, mostra os crimes praticados por Espanha, França e Marrocos. Lá está o armamento tomado do invasor, são armas de vários países, o que mostra que é uma luta de um povo gigante contra a indústria bélica. “A única finalidade que temos é sermos livres e voltar a nossa pátria”, destacou o dirigente do Museu da resistência. “As armas usadas para conquistar a paz tem sido bombas e fuzis”, diante do ataque do invasor

A RASD foi fundada em 27 de fevereiro de 1976, tendo assinado acordo com a Mauritânia em 1991, para que devolvesse os territórios ocupados, enquanto Marrocos segue ocupando e roubando a terra saharaui.

EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA

Visitamos a Escola Nacional de Cinema Abedin Al-Qaid Saleh, que capacita jovens para serem atores, cineastas e produtores. Conhecemos a estrutura da escola e conversamos com dirigentes e alunos, além da delegação assistir um documentário em que mostra a campanha do imperialismo para o embraquecimento da África, que usa outdoors, publicidade a mídia propagando loiras, com olhos azuis e a imposição de cosméticos (assim como fazem no Brasil). Esse debate é feito por meio da arte, como forma de enfrentar o colonizar e fortalecer a identidade e unidade nacional e africana.

Também visitamos a Escola Martir Mohomed Side Ibrahin, o Centro de Mulheres da Wilayt de Alser e o Centro de Educação Especial Auserd e Daira la Guera. Na escola, que atende crianças da 1ª a 5ª série, a delegação foi recebida pela diretora Aecha Maredh. Uma mãe, que estava deixava seu filho, acompanhou-me em várias salas, mostrou-me as crianças e professoras. Lá se ensina as matérias comuns à faixa etária, assim como no Brasil. As paredes da escola são feitas em adobe com aproximadamente meio metro de largura para evitar o calor do deserto.

Centro de Mulheres da Wilaya de Alser

No centro de atendimento à educação especial, a caravana foi recebida pela diretora Jamila Brahin, que mostrou as crianças, informou o método utilizado para a aprendizagem o qual busca desenvolver a independência, com oficinas de carpintaria, fisioterapia, esporte e costura. As crianças PCDs são divididas de acordos suas necessidades e recebem alimentação diferenciada.

No Centro de Mulheres, as jovens cursam espanhol, corte e costura. A jovem Jadra Mohamed, 22, estudou na Espanha e é professora de espanhol para as demais adolescentes. Na creche La Guera, as crianças nos recepcionaram no jardim, onde cantaram músicas nativas e acompanharam o Duo Acordi (Eleni Fagundes e Chico Nogueira), que cantou Bella Ciao. Um momento de uma alegria contagiante, com as crianças, que acompanharam a canção com palmas. O Duo Acoordi também participou de um show popular, em parceria com Najim Alal e I-baba, músicos locais, para centenas de populares no anfiteatro da wilaya de Smra. Tocaram uma música especialmente feita para o show, em que destacaram a amizade entre os povos saharaui e brasileiro.



A SAÚDE PÚBLICA

Em Rabuni localiza-se o hospital central, que atende diariamente centenas de pessoas vindas de todas as wilayas. A estrutura é precária, porém a dedicação dos profissionais médicos supera as dificuldades. A equipe possui técnicos formados em Cuba, Argélia e Rússia. As principais doenças que são tratadas são hipertensão e diabetes, causadas por questões genéticas, estatura corporal, a vida sedentária e alimentação. O médico, Mohamed Iâmin Abdo, mostrou o laboratório, dentro do hospital, onde são produzidos os medicamentos para tratamento dos que necessitam. O apoio a eles é muito necessário.

Mohamed Abdo, diretor do hospital

MINISTÉRIO DA PROMOÇÃO SOCIAL E DAS MULHERES

A ministra da Promoção Social e da Mulheres, Asuelma Bairuk, acompanhada pelo Diretor Nacional de Educação, Mohamed Salen, e da Secretária Geral do Ministério, fez uma apresentação da situação social nos acampamentos, destacou que “os índices de feminicídio são zero em todas as wilayas”, o que surpreendeu algumas pessoas da delegação, que muitas vezes uma visão equivocada dos povos mulçumanos. “Nas áreas ocupadas as mulheres são violentadas física, moral e sexualmente e não possuem nenhuma oportunidade social”, disse. “A ausência dos homens em combate em busca da libertação deu um papel de destaque às mulheres, pois toda a organização dos acampamentos é de responsabilidade das mulheres, indo desde à organização política, definição de obras, escolha do nome dos filhos e cuidados com a casa”, afirmou a ministra. Das cinco wilayas, três são governadas por mulheres. Em cada um dos 36 municípios, existem 4 assistentes sociais.

Ministra Asuelma Bairuk com parte da delegação brasileira

Na oportunidade, a ministra Bairuk concedeu uma entrevista à TV Comunitária de Brasília e parabenizou o presidente Lula pela sua terceira eleição como presidente do Brasil e ressaltou que “chegou a hora do Brasil reconhecer a RASD e abrir uma embaixada neste país que tem muitos fatores comuns com o povo saharaui”. A ministra Bairuk esteve em 2014 no Brasil, quando se reuniu com a presidente Dilma Rousseff.

A ÁGUA QUE VEM DAS PROFUNDEZAS DO DESERTO

Caixa d'água no deserto

Em visita ao Ministério da Água e Meio Ambiente (que tem uma estrutura com 200 técnicos e engenheiros, formados em Cuba e outros países), a delegação foi recebida pelo secretário executivo, Mohamed Sayd, que detalhou a estrutura existente para a perfuração de poços artesianos, a dessalinização das águas, o armazenamento e distribuição de água para toda população saharaui nos acampamentos e áreas de combate nos territórios liberados. As dificuldades são imensas. Chove no deserto no período compreendido entre 5 e 10 anos, não havendo nascentes ou rios nos territórios em que vivem. A profundidade para encontrar água vai até 200 metros, em temperaturas que chegam a 55º centígrados. Ainda assim, o ministério abastece 43% da população e complementa a distribuição de água para toda a população por meio de carros pipas e cisternas.

A água é cem por cento pública, estatal e gratuita, assim como a comida, a saúde e a educação é direito de todos”, disse Sayd durante sua explanação para a delegação brasileira.

A política ambiental desenvolve campanhas para a separação do lixo, sendo os materiais plásticos comprados pelo governo para serem reciclados na plataforma do ministério, com o apoio do Movimento pela Paz, organização civil da solidariedade espanhola.

UM PARLAMENTO DE MULHERES E HOMENS QUE HONRAM O POVO SAHARAUI

Presidente do Conselho Nacional Saharui, deputado Hamma Salama e a deputada Raabub Kadi

O presidente do Conselho Nacional Saharaui da RASD, deputado Hamma Salama, após saudar a delegação visitante, ouviu as exposições da presidente da ASSARAUI, Maninha, e da representante do CEBRAPAZ, Maria Ivone. O parlamento nacional é composto de 103 parlamentares, com aproximadamente metade composto por mulheres.

Durante o encontro, a mais jovem deputada do parlamento nacional saharaui, Raabub Kadi, presidente do grupo parlamentar de amizade RASD – Brasil, saudou a delegação, os parlamentares brasileiros, em especial o grupo de amizade Brasil – RASD do parlamento brasileiro. Aproveitou para fazer um convite à presidenta do grupo de amizade do parlamento brasileiro, deputada Érika Kokay, para visitar os acampamentos e reforçou o pedido ao presidente Lula para que reconheça a RASD.

DIAS DE MAIS APRENDIZADO EM ARGEL

A delegação brasileira teve a oportunidade de visitar o Museu da Revolução em Argel e conheceu a histórica de luta do povo argelino contra o invasor francês, a resistência vitoriosa que levou à revolução em 1962, o que possibilitou a construção de uma nação rica, forte e solidária, com os povos em luta contra os colonizadores e o imperialismo. A Argélia mostra ao mundo o acerto da construção do socialismo, onde o povo tem assegurada sua dignidade e soberania em todos os campos.

Museu da Revoluçã, Argel

Antes de retornar ao Brasil, a delegação visitou a embaixada da RASD, em Argel e realizou uma reunião com o embaixador Abdelkade Taleb Omar, que reafirmou a solidariedade brasileira ao povo saharaui e que as organizações e ativistas brasileiros seguirão na divulgação a heroica luta contra o invasor marroquino e cobrou do governo brasileiro o reconhecimento ao Sahara Ocidental.

Representante da Frente Polisário no Brasil, Ahmed Mulay Ali, e o embaixador da RASD em Argel, Abdelkade Taleb Omar

Nesse sentido, uma comissão da delegação foi a embaixada brasileira na capital argelina, em reunião com o conselheiro político, Mauricio Alves, entregou um documento assinado por toda a delegação em que estava relatado o que foi presenciado nos acampamentos e reforçou o pedido de reconhecimento da RASD pelo Brasil, o que 86 países já o fizeram. A reunião foi bem produtiva, pois o conselheiro Alves havia estado nos acampamentos no mesmo período da delegação, quando integrou a delegação da ACNUR para a entrega de alimentos aos refugiados saharaui.

Entrega de documento na embaixada do Brasil em Argel

Foram dias de fortalecimento do compromisso internacionalista, da solidariedade ao povo sharaui que enfrenta o invasor marroquino, que propaga mentiras e que com a corrupção compra apoio de parlamentares e governos pelo mundo, como mostrado com a descoberta da Operação Marrocos Gate, que levou à prisão a vice-presidente e membros do parlamento da União Europeia.

Telma Araújo, da Associação Cultural José Martí, de Minas Gerais, disse que “a viagem ao Sahara Ocidental, pode se sintetizar como um grande desenvolvimento da Solidariedade e desenvolvimento humano, nos fortalecemos com essa experiência. Devemos ser cada dia mais solidários às causas justas e libertárias. Devemos indignarmos sempre, com todas as injustiças e lutar para um mundo melhor e mais justo”. Concluiu com o resgate de José Martí que “a melhor maneira de dizer é fazer”. Retornamos ao Brasil conscientes de que estamos certos em sermos solidários com o povo saharaui em sua luta pela libertação, soberania e autodeterminação. Cabe-nos reforçar a divulgação e a mobilização na defesa para que o Brasil reconheça a RASD e efetive de forma mais significativa a solidariedade brasileira ao povo do deserto, que tem muito a nos ensinar.



*jornalista, integrante do Comitê anti-imperialista general Abreu e Lima e da diretoria da ASSARAUI. Texto com contribuições retiradas das notas da viagem feitas por Paulo Miranda.

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