As labaredas do inferno ardem



Pedro César Batista

Não se deu muita atenção a eleição de 2014. Um playboy de Minas Gerais, ligado a uma família tradicional não aceitou a sua derrota na eleição presidencial e iniciou uma campanha pela sua anulação. Nesta mesma eleição, em quase todos os estados, os mais votados foram policiais da ativa ou já na reserva, todos se dizendo pessoas de “bem”, defensores da ditadura e contra os Direitos Humanos, entre eles muitos conhecidos matadores, milicianos, acostumados a matar impunemente.

Antes, em 1991, o programa policial da SBT, Aqui Agora, ancorado por Gil Gomes, reforçado na TV Record por Cidade Alerta, e depois por Brasil Urgente, na Rede Bandeirantes, realizaram diariamente uma doutrinação de que bandido bom era bandido morto, de que trabalhador fazer greve era bagunça, de que era preciso reduzir a idade penal, de que Direitos Humanos eram usados apenas para defender bandidos, além de inúmeras barbaridades despejadas nas mentes e corações de famílias reunidas nas horas das refeições assistindo a catequese sanguinária.

Algum tempo antes desses programas aparecerem, logo após os soviéticos derrotarem os nazistas na segunda guerra mundial, a indústria cultural de Hollywood mudaram os fatos. Os EUA foram transformados em mocinhos, venceram a guerra e os comunistas comiam criancinhas e colocavam em risco a paz mundial, diante do perigo vermelho. Não vou voltar ao tempo das fogueiras de mulheres chamadas de bruxas, dos hereges, ateus e a destruição de bibliotecas que viravam fogueiras. Isto faz muito tempo. Importa agora, este tempo do covid-19. Não faz 100 dias que a pandemia colocou a população mundial em alerta diante de um vírus mortal, que possui uma taxa de letalidade de aproximadamente 6% entre os contaminados. Até hoje, 18 de abril, passam de 150 mil mortos no mundo que está com mais de 2 milhões de contaminados em mais de 100 países. Uma situação que remete a gripe espanhola, que, entre 1918 e 1920, infectou 500 milhões de pessoas, um quarto da população da época, deixando mais de 50 milhões de mortos.

Como disse no início não demos a devida atenção a eleição de 2014. Por quê? O acúmulo de uma cultura de morte, com raízes no nazismo, ainda colonialista, propagadas pelos programas policiais na TV e que levou a eleição de defensores da violência fascista, como os mais votados naquela eleição, não foi devidamente analisada e combatida como seria necessário.

Junta-se a isso a história nacional. Mesmo com 388 anos de escravidão, os negros sequestrados, martirizados e escravizados nunca receberam um palmo de terra ou alguma indenização financeira pelos trabalhos forçados que fizeram aos senhores. Pelo contrário, antes da Lei Áurea, a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei do Sexagenário (1885), foi assegurada a compensação dos escravagistas. Complementa-se a este crime, a impunidade dos escravagistas crime continuado de aproximadamente quatro séculos, que vitimou milhões de homens e mulheres de origem africana.

Com a implantação da República os oligarcas continuaram proprietários e controlando o Estado. O mesmo que continuou com o fim da velha e a chegada da Nova República, em 1930. As ditaduras do estado Novo e de 1964 não economizaram no uso da violência contra quem ousasse questionar ou combater a exploração do trabalho. A Constituição Federal de 1988, chamada de cidadã, manteve a propriedade e o Estado sob o controle dos mesmos senhores, nada mudou, além de garantias jurídicas que estão sendo retiradas. Os torturadores e assassinos das ditaduras permanecem impunes, como um adereço no quadro dantesco.

Junta-se aos 500 anos de mentiras, com assassinos escravocratas e torturadores impunes, um Estado inteiramente controlado por esses senhores, mantendo as universidades, as igrejas e os meios de comunicação como fontes de propagação de uma cultura patriarcal, reacionária, patrimonialista e elitista, o que não poderia levar a outra situação com a atual.

Estes senhores, não satisfeitos com os acordos feitos com os governos de Lula e Dilma, como destacado pela própria presidenta, durante a sua defesa no Senado Federal, quando destacou que “quem está rompendo o acordo são os senhores”, mais uma vez deu um golpe, usou uma poderosa campanha de massa, criou a instabilidade política de que necessitavam e conseguiram o apoio popular para as mentiras divulgadas. Em seguida, um braço do Poder Judiciário, liderado por um juiz de primeiro piso, iniciou o desmonte da economia nacional, provocando um debacle no Estado Democrático de Direito, instituído em 1988, ao ponto de colocar na prisão o ex-presidente Lula, em um processo semelhante ao executado contra oficial francês Dreyfus, em que se montou uma farsa para condena-lo a prisão. O enredo foi minimamente detalhado, com assistência norte americana. O resultado foi a eleição de um capitão, transformado em mito por meio das novas ferramentas de comunicação, as mesmas que elegeram Donald Trump e aprovaram o Brexit, no Reino Unido. Até facada sem uma gota de sangue ocorreu, tudo pensado e aplicado para que a massa se compadecesse e fosse facilmente enganada.

Agora estamos em tempo de pandemia, o mundo enfrenta um vírus mortal, sem existir uma vacina que possa evitar o contágio, que segue se propagando com a velocidade de um motor de carro de fórmula 1, o que em nada altera os planos dos herdeiros dos senhores escravagistas, que não abrem mão do controle das riquezas e do Estado.

Nos EUA e no Brasil surgem movimentos de rua, incentivados pelos seus presidentes, para questionar a quarentena e o isolamento social, principais orientações de cientistas e médicos de todo o mundo, para evitar a contaminação e as crescentes mortes. Esses movimentos defendem que os trabalhadores sejam obrigados a executarem as tarefas nos seus trabalhos como se não existisse o vírus, nem as contaminações ou as mortes. É um movimento que exige a reabertura integral dos comércios, indústrias, escolas e serviços em geral, alegam que a economia não pode parar. Não é difícil identificar quem são os que defendem isso.

Os governos norte americano e brasileiro têm muito em comum. Ambos estão destinando trilhões para que os Bancos enfrentem a crise econômica acrescida com a pandemia. No caso brasileiro, o governo destinou mais de 1 trilhão de reais aos bancos e às empresas aéreas, além de não ter, em nenhum momento, aventado suspender o pagamento dos juros da dívida pública (outra excrescência na roubalheira que os ricos fazem do orçamento público). Por outro lado, o mesmo governo que destina trilhões aos ricos banqueiros dificulta o repasse do auxílio assistencial aos mais pobres, que não chegará a 60 bilhões de reais e será útil para aproximadamente 50 milhões de pessoas. Os seguidores do capitão na presidência em nenhum momento questionam as ações do governo. Estão totalmente cegos, surdos e alucinados.

Uma sequência de fatos, planejados, pensados e executados. Os programas policiais, a eleição de seus apresentadores, delegados, militares e pastores evangélicos como os mais votados para o parlamento se repetiu em 2018, com um crescente aumento de parlamentares que se sustentaram no discurso de campanha de Bolsonaro, motivado pelo machismo, racismo, anticomunismo e o fundamentalismo religioso. Usaram as concessões públicas de canais de televisão aberto, sem nunca terem sido incomodados, além de que, agora, tornaram-se experts no uso de bots, os famosos robôs, nas redes virtuais, responsáveis pelas mentiras que cassaram uma presidente, prenderam outro, inventaram um fake que está na Presidência do país e é apoiado por legiões de ignaros que alimentam a morte como se estivessem em um salão de festas de carnaval.

Sim. As labaredas do inferno estão acesas. Na realidade nunca se apagaram. Sempre arderam no genocídio dos povos originários, nas senzalas, nos navios negreiros, nos canaviais, nas obras que construíram Brasília, nas aberturas das rodovias durante a ditadura, na disseminação de veneno nas plantações de alimentos, nas decisões genocidas do parlamento, como as reformas da previdência e trabalhista, no congelamento por 20 anos dos investimentos públicos em políticas sociais e, mais uma vez, ao incentivar os pobres a irem para seus postos de trabalho, com salários cada vez mais baixos e enfrentando o covid-19, na certeza de que não terão respiradores ou UTI para lhes salvar a vida. Os demônios estão com a bíblia, armados e vestidos de verde e amarelo. Se não ocorrer, imediatamente, uma resposta da classe trabalhadora e de todas as pessoas lúcidas capaz de barrar os crimes em curso, não duvidem, ficará muito pior.

Comentários

  1. Concordo em gênero, número e grau. Pedro sintetiza com maestria a rota da tomada do poder pela direitosa na frágil democracia brasileira neste milênio. Seguiremos em frente com determinação, a pandemia covid 19 demonstra o quanto o Estado e necessário. Abraços

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    1. Zezinho, precisamos de um Estado sob o controle dos trabalhadores, única forma de assegurar que as riquezas produzidas sirvam efetivamente ao povo brasileiro. Sigamos nossa caminhada. Abraços.

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  2. Excelente análise, Pedro, desse momento tenebroso que vivemos, enquanto gritamos fora Bolsonaro, esses senhores que sempre estiveram no poder se divertem.

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    1. Precisamos derrubar, Glorinha, toda a Casa Grande, agora o capitão..do mato. Eles precisam pagar por seus seculares crimes.

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