Redes, controle e desconstrução social



Pedro César Batista

Em tempos de avanço do nazifascismo, por todo o mundo, milhões de pessoas nutrem, inconscientemente, um egoísmo “exacerbado”, escorado em práticas individualistas que lhes fazem acreditar que tudo podem, principalmente ao utilizar e teclar em alguma rede virtual.

No passado o capital teve como base principal de apropriação da mais-valia a exploração do trabalho manual em fábricas e no campo. Agora a acumulação se dá em um nível superior, principalmente, por meio da tecnologia, totalmente controlada pelo sistema financeiro a nível mundial, que detém a propriedade da tecnologia, produção e serviços, especialmente a comunicação, que dissemina as informações que convêm ao que Lênin denominou imperialismo.

Conforme os dados de 2019, divulgados pela Oxfan, o 1% dos mais ricos do planeta possui a riqueza equivalente ao que detém os 99% restantes da população mundial. Entre os dez homens – isto, homens - mais ricos do planeta, seis controlam os serviços de tecnologia, comunicação e informação, enquanto os outros três acumulam patrimônio a partir de serviços ligados ao consumo de bens de luxo e seguros.

Com os mais ricos do mundo possuindo o controle absoluto do repasse das informações, fica claro que a classe trabalhadora, independentemente de suas novas categorias profissionais, está sujeita ao domínio e controle do conhecimento por quem detém o controle tecnológico das redes sociais e do mundo virtual da internet.

Desde cedo, as crianças, ainda bebês, adquirem o contato com telas ou teclados de celulares e computadores, acessando valores éticos e morais, informações e conceitos sobre qualquer assunto. Ocorre que há um direcionamento programado, perigoso e criminoso por parte dos proprietários das redes que direcionam o acessa a esses bancos de dados. Está comprovada a utilização das redes para manipular milhões de pessoas. O youtube, com seus vídeos aparentemente ingênuos, formou uma parcela da juventude com poderosa carga de doutrinação fascista e reacionária. O whatsapp e o facebook foram utilizados em vários países para a circulação de mentiras, as notícias falsas (fakenews), o que possibilitou a aprovação do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), as eleições de Trump, Bolsonaro, Bukele e de dirigentes de outros países, como mostrado no filme Privacidade Hackeada (2019), em que se denuncia os crimes da empresa britânica, Cambridge Analytica. Julian Assange e Edward Snowden revelaram ao mundo esses crimes, por isso sofrem a cruel perseguição dos EUA.

O sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, responsável pela criação do conceito de modernidade líquida, apontou os danos causados pelas redes virtuais: “As redes sociais não ensinam a dialogar porque é muito fácil evitar a controvérsia… Muita gente as usa não para unir, não para ampliar seus horizontes, mas ao contrário, para se fechar no que eu chamo de zonas de conforto, onde o único som que escutam é o eco de suas próprias vozes, onde o único que veem são os reflexos de suas próprias caras. As redes são muito úteis, oferecem serviços muito prazerosos, mas são uma armadilha. (El País, 8.1.2016). Baumam destacou que “é tão fácil adicionar e deletar amigos que as habilidades sociais não são necessárias neste ambiente”.



A manipulação das informações, negação da história, o controle do acesso, distribuição e manipulação do que se circula, criou uma multidão de “idiotas”, conforme foi indicado pelo italiano Umberto Eco. Isto se tornou um terreno fértil para fomentar as bases de sustentação das políticas ultraliberais e a ressurreição dos neonazistas, que propagam o “egoísmo exacerbado”.

O momento que o Brasil vive é resultado desta ação, planejada e pensada por quem controla as riquezas no mundo. Tem um governo eleito devido a ação nas redes e meios de comunicação, que propagaram mentiras por meio de milhares de “bots”, que são robôs que executam a tarefa pré-determinada por pessoas nefastas, mentirosas e sádicas, que conseguiram formar um exército de “idiotas”, segundo Eco. Esta ação fomenta a divisão, a incredulidade, a intolerância e a desunião social, alimentando concepções nazifascistas.

Aliado a isso, a população mundial é controlada pelos detentores da internet, comunicação e informação, que investe na manipulação social, com a propagação do sonho em ser empreendedora, burguesa e usufruir as benesses oferecidas pela tecnologia existente. Atuam, inclusive, n o campo espiritual, com a religiões virtuais que propagam a teoria da prosperidade. Entretanto, a realidade é bem diferente, as pessoas cada vez mais tornam-se um escravo de novo tipo, como se comprova com o que se denominou uberização das relações de trabalho.

As redes, para quem não têm capacidade crítica do conhecimento científico e histórico, por menor que seja, cria armadilhas em que pega as pessoas como se fossem pequenos animais indefesos. As redes virtuais nada têm de sociais, destroem comunidades, famílias, fomenta a atomização e a fragmentação social.

O hábito de se criar grupos no whatsapp, signal ou telegram com as mais variadas finalidades, leva a um alheamento e distanciamento entre as pessoas, que não se posicionam, acompanham a distância e cada vez mais se atomizam em novos grupos e mais grupos, que não levam a lugar nenhum.

Não quero dizer que não se deve usar as ferramentas disponíveis nas redes, pelo contrário. É preciso não apenas usá-las, mas transformá-las em instrumentos que quebrem e rompam as barreiras impostas pelos algoritmos e seus programadores. Usá-las para combater a atomização provocada, a dependência que muitas vezes traz até problemas psíquicos. É necessário usá-las em uma perspectiva que quebre o isolamento que é imposto. Para tanto, deve-se pensar em criar instrumentos tecnológicos que permitam atingir as massas, usuárias das redes, com uma informação histórica, especialmente com os fatos que mostrem aos que foram subjugados pelos poderosos, que o desenvolvimento social é fruto das conquistas dos mais fracos, que souberam se organizar e conquistar uma vida melhor. É preciso usar as redes para alimentar a verdadeira solidariedade, uma consciência revolucionária, o internacionalismo entre os povos e a repulsa aos donos do mundo, que praticam genocídios e impõem a ignorância impunemente há séculos.

Imagens:
1 - Álvaro Cunhal - Desenhos do cárcere (1951).
2 - Idem.

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