O renascimento da morte

O inesperado virá, pois o amanhã se torna cada dia mais incerto.

Pedro César Batista



Alguns discursos que escuto mostram que vivemos uma verdadeira tragédia. Não tem hora, nem local, nem nível social, pessoas de vários extratos sociais, afirmam certas sandices perigosas, aparentemente surreais, por remontarem a idade média, mas quem fala acredita no que diz.

Ouvir que o deputado Jean Wyllys deixou o Brasil por ser o patrocinador de Adélio, o suspeito de ter praticado a suspeita facada no presidente eleito; ouvir, de um diretor de uma entidade de autores da Capital Federal, que o PT governou o Brasil por 30 anos; ouvir que o capitão era o que havia de melhor para combater a corrupção no Brasil (discurso mais forte na sociedade); ouvir que é preciso defender a moral e os bons costumes; ouvir que é preciso retirar direitos dos trabalhadores para garantir empregos; ouvir que é preciso privatizar a saúde, a previdência, criar vagas em presídios, implantar o ensino infantil à distância, que é preciso garantir direitos ao patronato. Muitos desses argumentos, ouvi de autores durante uma feira de livros, em tese, um segmento que lê e é crítico, por ter informações. Teve ainda, na mesma feita, aquele, aplaudido e adorado por muitos, que falou solenemente: não me envolvo com política.

Apesar de a humanidade ter vivido situação semelhante na década de 1930, na Alemanha, quando intelectuais, artistas e amplos setores médios apoiaram um cabo que comandou uma guerra que deixou dezenas de milhões de mortos, a história se repete como tragédia. Naquele período, famílias que residiam ao lado de campos de extermínio, onde se exalava a fumaça de corpos queimados nas câmaras de gás, seguiam a vida normalmente, como se nada ocorressem ao seu redor.

Aqui no Brasil, na eleição de 2018, um grupo de milicianos, que atua matando e extorquindo, elegeu parlamentares e a direção de vários governos em todos os níveis. O governador do Rio de Janeiro, um ex-juiz federal e ex-fuzileiro naval, sem nenhum pudor, disse: vamos acertar na cabecinha. Falava da matança que pretende executar em seu governo. No Distrito Federal, o governador colocou policiais militares dentro de escolas. No Goiás, o fundador da UDR, entidade que matou dezenas na década de 1980, venceu o pleito. E agora, o justiceiro, que prendeu o ex-presidente Lula, baseado em delações do proprietário da OAS, virou ministro e o delator de Lula teve seu genro nomeado para Presidência da Caixa Econômica Federal, apresenta um programa de segurança, que retira as garantias fundamentais e institucionaliza a pena de morte, quer garantir o direito de matar e prender sem preservar a legalidade e os devidos direitos legais. Quer tornar o arbítrio legal. Os poderes do Estado que deveriam assegurar a legalidade constitucional, as normas e os direitos individuais, têm sido os primeiros a passar por cima da Constituição Federal.

Onde isto terminará é imprevisível. As organizações sindicais e populares parecem estar anestesiadas. A Vale matou centenas em Brumadinho (MG) e não se vê a mobilização social para que os responsáveis sejam punidos ou a sensibilização quando ocorrem atentados terroristas em outros países. Na noite que antecedeu a posse do capitão, gabinetes de oito deputados federais do PT foram arrombados e ficou por isso mesmo. Nem mais se falou no assunto. O capitão, que venceu uma eleição utilizando-se largamente de mentiras, em nenhum momento foi inquirido pelo poder judiciário. Nem durante a campanha, nem após a eleição.

A mídia continua propagando mentiras sobre o Brasil e o mundo, com destaque para a farsa de um golpista que busca desestabilizar o legítimo governo da Venezuela, com os EUA e governos lacaios ameaçando, sabotando e bloqueando as riquezas desse país, para que o governo norte-americano consiga roubar o petróleo venezuelano, como fizeram no Iraque e na Líbia.

Apesar de tudo isso, as forças vivas da sociedade permanecem estáticas. Enquanto escuto autores falarem de moral e bons costumes, outros, ainda acreditam que existiu a distribuição de mamadeiras de piroca e de kits gay. Um mundo que nem Franz Kafka imaginou. O inesperado virá, pois o amanhã se torna cada dia mais incerto.

Desenho: charge soviética - autor desconhecido (1943)

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