“O rio Tapajós não se divide e o povo Munduruku também não”

Em carta, indígenas denunciam arbitrariedades e pedem o fim da Operação Tapajós. O Movimento dos Atingidos por Barragens, que acompanha de perto os desdobramentos da ação militar, reafirma a aliança com os Mundurukus e receia conflitos também com comunidades ribeirinhas

Em uma atitude inédita, que surpreendeu povos indígenas e outras organizações que lutam contra a construção das hidrelétricas no Tapajós, único grande rio da Amazônia que ainda não tem barragens, o Governo Federal enviou cerca de 250 membros da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança Pública com o apoio logístico do Exército Brasileiro para garantir os estudos de impacto ambiental da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

A Operação Tapajós, como está sendo chamada, foi possível depois do decreto 7.957 assinado pela presidência da república em 12 de março de 2013, que instituiu o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente (GGI-MA), regulamentou a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e apontou a funções da Força de Nacional Segurança Pública no que se refere à segurança do meio ambiente.

Na última quinta-feira, 28 de março, em pleno feriado da Semana Santa, o destacamento deslocou-se para próximo do território indígena Munduruku, mais precisamente da aldeia Sawré Maybu, que poderá ser alagada caso a barragem seja construída. Os Mundurukus já anunciaram que são contra a construção das hidrelétricas, mas estão em processo de negociação com o Governo Federal sobre como será feita a consulta prévia prevista na Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Embora feita sob bastante sigilo, relatos de moradores da região dizem que a chegada da Operação Tapajós no Buburé, comunidade ribeirinha ameaçada por barragem, era digna de preparação para uma guerra, com policiais em formação e fortemente armados. Os principais locais de acesso a aldeia ficaram vigiados sendo feito revistas, registro fotográfico, interrogatórios e escoltas arbitrárias. No meio da tarde do mesmo dia, um helicóptero do Exército Brasileiro sobrevoou várias vezes a aldeia Sawré Maybu causando pânico nos indígenas.

Juarez Saw Munduku, cacique da aldeia, conta que “eles passaram meia hora parados querendo pousar. Eles estão pensando que ia assustar a comunidade, viam a comunidade correr de um lado pro outro”. Ele afirma que ficou surpreso quando soube da operação em visita dos técnicos da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), já que existe um processo de negociação sobre a consulta que previa uma reunião no dia 10 de abril em Jacareacanga.

“Nós não somos bandidos para fazerem isto. Eles chegaram, botaram a gente na parede, humilhando, sem a gente poder sair pra canto nenhum, o pessoal assustado. Pra nós é muito preocupante. A comunidade estava assustada com isto. Eles não deveriam trazer a Força Nacional para fazer estas pesquisas. A gente está aqui pra dialogar com eles”, afirma. Ele teme que esta operação termine como a última comandada pela Polícia Federal que resultou na morte do indígena Adenilson Kirixi, na Aldeia Teles Pires.

Carta denuncia autoritarismo e intimidação

Em repúdio a Operação Tapajós, os Munduruku divulgaram uma “Carta à Justiça, para o Governo e para a Sociedade Mundial e os Povos Indígenas” onde denunciam as arbitrariedades cometidas e a quebra do acordo sobre a consulta prévia coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República.

Afirmam que estão “sendo humilhados e ameaçados pela Operação” e que as “Forças Armadas estão espalhadas sobre o rio Tapajós, sobre a Transamazônica e nossos territórios, intimidando e ameaçando as pessoas, impedindo de navegar pelos nossos rios e circularmos livremente pelas estradas nas terras e aldeias. Não podemos pescar. Trabalhar, tomar banho no rio, caçar, andar livremente e viver nossa vida...O governo está em nossas terras como bandidos, invadindo sem avisar os nossos rios e territórios para destruir o rio Tapajós e explorar nossas riquezas”.

Também exigem a saída imediata dos militares de seu território e reafirmam a unidade dos indígenas Munduruku contra a construção das barragens dizendo que “o governo esta tentando dividir o povo Munduruku para destruir o rio Tapajós. Mas o rio Tapajós não se divide e o povo Munduruku também não se divide”, afirmam.

Ribeirinhos também se sentem intimidados

Thiago Alves, membro da direção estadual do MAB no Pará, e que esteve na aldeia Sawré Maybu na sexta e no sábado (29 e 30) acompanhando os desdobramentos da ação, afirma que toda a região está assustada, inclusive aquelas que até hoje, pela organização, não deixaram que os estudos avançassem.

“A comunidade de Pimental está com medo. Pela resistência nós impedimos que fossem feitos perfurações dentro da comunidade. E agora com a presença da Força Nacional tememos que sejamos obrigados, pela força, a deixar as pesquisas avançarem e isto pode acabar em conflito”, confirma o ribeirinho Luiz Lima, militante do MAB e ameaçado pela barragem de São Luiz do Tapajós.

“O MAB reforça a aliança com os Mundurukus na luta contra esta arbitrariedade que mostra claramente como este projeto de desenvolvimento é uma farsa e não representa qualquer melhoria na vida das populações. É hora de fortalecer a organização popular e consolidar uma aliança cada vez mais forte entre indígenas, ribeirinhos, pescadores e toda população, pois não podemos nos intimidar”, conclui.

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