O Relatório Figueiredo, que apurou durante um ano os massacres contra os povos indígenas, será apurado pela Comissão Nacional da Verdade

Comissão da Verdade usará documentos históricos e depoimentos para apurar crimes contra indígenas

Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil

Brasília – A Comissão Nacional da Verdade espera encontrar respostas para uma série de perguntas sobre violações de direitos humanos de indígenas brasileiros entre os anos de 1946 e 1988. Quantos podem ter morrido devido aos impactos das obras de infraestrutura durante o regime militar? Índios foram torturados ou mortos por serem considerados um entrave à política desenvolvimentista? Quantos passaram pelas prisões indígenas cuja história começa vir a público? A comissão vai se basear em depoimentos e na análise de documentos históricos do período para chegar às conclusões.

“A comissão ainda está coletando os primeiros elementos para remontar o que de fato ocorreu nesse período, mas, aos poucos, fui percebendo que há um vasto campo de investigação de violações dos direitos das populações indígenas que, na época, eram consideradas mero obstáculo ao desenvolvimento”, disse à Agência Brasil a psicanalista Maria Rita Kehl, responsável por coordenar a apuração das denúncias sobre violações aos direitos indígenas no período.

Para especialistas como o vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Marcelo Zelic, algumas dessas questões podem ter sido esclarecidas há 44 anos, quando o então Ministério do Interior criou uma comissão de inquérito administrativa para apurar denúncias contra o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão que antecedeu a Fundação Nacional do Índio (Funai), criada em 1967.

Desde 1963, quando foi alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), pairavam sobre o SPI suspeitas de que alguns funcionários teriam dilapidado o patrimônio indígena, escravizado índios, explorado sexualmente índias, repassado terras indígenas a empresas particulares e até mesmo participado de atos classificados como genocídio. As denúncias voltaram a ser discutidas anos depois, em duas novas CPIs, em 1968 e 1977.

Em 1968, a comissão de inquérito administrativa produziu um documento que ficou conhecido como Relatório Figueiredo, referência ao presidente da comissão, o ex-procurador Jader Figueiredo Correia. Convidado para a função pelo ex-ministro do Interior general Afonso Augusto Albuquerque Lima, Figueiredo esteve à frente do grupo que, por quase um ano, durante o regime militar, percorreu o país para apurar as denúncias de crimes cometidos contras a população indígena. O documento, no entanto, desapareceu. Segundo a versão mais conhecida, as mais de 5 mil páginas do Relatório Figueiredo foram consumidas por um incêndio no Ministério do Interior.

Por causa do relatório, o Ministério do Interior, em setembro de 1968, recomendou a demissão de 33 pessoas; a suspensão de 17; a cassação da aposentadoria de um agente de proteção aos índios e de dois inspetores. Além disso, apontou a atuação de outros envolvidos cuja punição não era de competência do Executivo.

Posteriormente, muitos funcionários punidos foram inocentados na Justiça e retornaram ao trabalho. O desgaste, no entanto, foi tão grande que, o próprio ex-ministro Albuquerque Lima admitiu, durante depoimento em 1977, que "por culpa de algumas dezenas de servidores menos responsáveis" não havia mais condições de manter o Serviço de Proteção aos Índios e por isso, em 1967, ele foi substituído pela Funai, que assumiu também as atribuições do Parque Nacional do Xingu e do Conselho Nacional de Proteção ao Índio.

“O Relatório Figueiredo é um documento importante, cuja única cópia desapareceu convenientemente durante o regime militar. Embora não respondesse a todas as perguntas que a Comissão da Verdade vai procurar saber, ajudaria a jogar luz sobre um período a respeito do qual há poucas informações, que antecede a substituição do SPI pela Funai, pouco antes da conclusão do relatório”, comentou Zelic, que coordena a pesquisa Povos Indígenas e Ditadura Militar a fim de oferecer subsídios à Comissão da Verdade.

A pesquisa conta com o apoio da Associação de Juízes pela Democracia e da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Para Zelic, além do Relatório Figueiredo, é importante resgatar a íntegra dos documentos produzidos pela CPI do SPI (1962-1963) e das CPIs do Índio, de 1968 e de 1977.

Edição: Juliana Andrade e Lílian Beraldo

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-09-26/comissao-da-verdade-usara-documentos-historicos-e-depoimentos-para-apurar-crimes-contra-indigenas

19 de Abril de 2013•08h34

Documento que mostra extermínio de índios é achado após 45 anos

Desaparecido há 45 anos, o Relatório Figueiredo - um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século - foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais. O texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia traz denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a esctricnina. Agora, o relatório pode se tornar um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988. As informações foram publicadas no jornal Estado de Minas.

A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça. Funcionários que haviam participado do trabalho foram exonerados. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.

http://noticias.terra.com.br/brasil/documento-que-mostra-exterminio-de-indios-e-achado-apos-45-anos,719830431122e310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html

Relatório Figueiredo que mostra extermínio de aldeias é encontrado

Relatório de 1968, supostamente desaparecido, relata extermínio de aldeias inteiras, envenenamentos, torturas e assassinatos praticados pelo próprio Estado. Material deve ser enviado à Comissão da Verdade

Felipe Canêdo

Publicação: 19/04/2013
Belo Horizonte — Depois de 45 anos desaparecido, um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século, o chamado Relatório Figueiredo, que apurou matanças de tribos inteiras, torturas e toda sorte de crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) —, ressurge quase intacto. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais.

Em uma das inúmeras passagens brutais e revoltantes do texto, a que o Estado de Minas/Correio teve acesso com exclusividade, um instrumento de tortura apontado como o mais comum nos postos do SPI à época, chamado “tronco”, é descrito da seguinte maneira: “Consistia na trituração dos tornozelos das vítimas, colocadas entre duas estacas enterradas juntas em um ângulo agudo. As extremidades, ligadas por roldanas, eram aproximadas lenta e continuamente”.

Entre denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a estricnina – um veneno –, o texto, redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia, ressuscita incontáveis fantasmas e pode se tornar agora um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988.

A investigação, feita em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, em 1967, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e a bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça. Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça.

Os únicos registros do relatório disponíveis até hoje eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar o que fora constatado por Jader e sua equipe. A entrevista teve repercussão internacional, merecendo publicação inclusive em jornais importantes como o New York Times. No entanto, tempos depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano, o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime mais rígido.

Impunidade

Preocupação

O vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, foi quem descobriu o conteúdo do documento. Ele afirma que, antes de ser achado, o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que estão possivelmente envolvidos nas denúncias. “Já tem gente tentando desqualificar o relatório, acho que por um forte medo de ele aparecer, as pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, acusa.

“É espantoso que exista na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça”, lamentava Figueiredo em uma das páginas recuperadas por Zelic. Em outro trecho contundente, o relatório cita chacinas no Maranhão, em que “fazendeiros liquidaram toda uma nação, sem que o SPI opusesse qualquer reação”.

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