Disputa por terras no Pará é a mais violenta do mundo, diz fundação



A violência no campo no Pará chamou a atenção e será alvo de denúncia mundial da RLA (Fundação Right Livelihood Award). Integrantes da organização internacional --que há 30 anos atua na luta pelos direitos humanos-- estão em Marabá para visitar assentamentos e acompanhar o julgamento dos três acusados de matar o casal de extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, em maio de 2011.

Em entrevista coletiva nesta terça-feira (2), os representantes da RLA disseram que a disputa pela terra é um dos casos mais preocupantes de violações de direitos humanos em todo o mundo.

Segundo a chefe da comissão internacional da RLA, Marianne Andersson --que foi integrante do parlamento sueco por 17 anos--, a violência na disputa pela posse da terra na região sudeste do Pará é a maior já verificada no planeta. "Existem disputas de terras similares em outras partes do mundo. Mas um caso como esse, com tanta violência, é o pior que já ouvi falar", disse.

Na segunda-feira (1º), a comissão visitou agricultores que vivem em acampamentos e assentamentos da região sudeste do Pará e encontraram um cenário preocupante.

"Faremos o melhor para que o mundo saiba o que está acontecendo nessa região e melhorar a segurança e a justiça. Visitamos e um assentamento e dois acampamentos e pudemos ver as ameaças e intimidações que se encontram as pessoas", afirmou Andersson.

Entre os principais questionamentos estão as ameaças de morte de líderes de movimentos sociais.

"Soubemos que quatro líderes do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] estão marcados para morrer. Isso é absolutamente inaceitável. Queremos exigir que o governo implemente a reforma agrária para justiça. A nossa fundação, juntamente com outra organizações internacionais, veio para para expressar nossa solidariedade internacional com os trabalhadores rurais e seus militantes. Vamos denunciar esses ataques a todo o mundo. Essa realmente é uma questão internacional, não só brasileira", disse.

Dados

Outro representante da fundação RLA que está em Marabá, o biólogo argentino Raúl Montenegro, também apresentou dados que apontam para uma violência no campo sem comparação a outros locais do mundo.

"O país com mais gente assassinada em questões ambientais e da terra, entre 2002 e 2011, foi o Brasil, com 365 mortes. Para se ter ideia, o segundo colocado é o Peru, que teve 123 pessoas mortas. E dentro do Brasil, essa região da Amazônia é a que registra maior quantidade de assassinatos. Essa conferência que faremos na Colômbia servirá para discutir mecanismos para reduzir esses crimes e dar proteção a pessoas que são ameaçadas", afirmou.

Relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), feito com dados até o primeiro semestre de 2012, informa que 38 pessoas ameaçadas de morte no sul e sudeste do Estado. Todos sofreriam sem assistência de apoio governamental.

"As lutas do campo aqui sempre foram resolvidas na base da bala. Mas a violência não é só do poder privado, mas também do poder público, que não age. Centenas de casos que não tiveram solução, vivem na completa e absoluta impunidade. Há casos que esperam há 10, 20 anos, sem os familiares verem os responsáveis punidos", afirmou Rose Lima, representante da CPT do Pará.

Para o diretor-executivo da Anisitia Internacional no Brasil, Átila Roque, a violência no campo no Pará é extramente preocupante.

"O que nós temos visto no Pará, mas também em outros lugares das Américas, é que, toda vez que os interesses dos poderosos econômicos de toda ordem --aqui no Pará, os madeireiros-- são confrontados pelas lutas das sociedades locais, a resposta é sempre pela via da violência. Queremos que o mundo olhe para essa situação da Amazônia, mas especialmente para aqui, no Pará", disse.

Equívoco

Embora reconheça a situação do campo na região como "crítica", o delegado de Conflitos Agrários de Marabá, Victor Leal, não classifica a região como violenta e vê um equívoco em comparar a violência existente na zoa rural sempre com a disputa pela posse da terra.

"Muitas vezes você pega um crime de homicídio e, quando investiga, não tem ligação alguma com o conflito agrário, embora sempre seja ventilada a hipótese. Existem muitos crimes passionais, mas mortes por conflitos agrários na região, desde o assassinato do casal extrativista, não peguei nenhum", disse.

Segundo o delegado, a situação foi controlada nos últimos anos graças a uma ação preventiva. "Nós temos muitos casos de ameaças, e nossa diretriz número um é não deixar passar essas ameaças --sempre chamamos as partes aqui. Existe muito o estigma de que é o fazendeiro que ameaça o assentado, mas existe muita ameça entre os próprios assentados, às vezes, de movimentos sociais diferentes", afirmou Leal.

Morosidade

Segundo o assistente de gabinete da superintendência do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Marabá, Jandir Mella, a demora na criação de assentamentos deve-se no lento processo de regularização fundiária e, em boa parte, à demora da Justiça em analisar casos. Sem regularidade, é impossível fazer a reforma agrária.

"Temos mais de 20 processos judiciais, que o Incra ganham em uma instância, perde em outra, e por aí vai. É algo moroso, e quem tem de ser esperado", disse.

Sobre os casos de violência no sudeste do Pará, o assistente do Incra alega que o órgão trabalha com poucos funcionários (210 ao todo na superintendência), mas atua "como pode" para minimizas os conflitos.

"Todos os casos relatados são encaminhados à ouvidoria regional e nacional e à polícia. O Incra sempre está atento, mas não tem como interceder. O problema da disputa também ocorre porque existe muita terra ainda a delimitar e que depende de vistoria, o que é um processo lento. Temos uma carência grande de pessoal", explicou, lembrando que são esperadas 42 novas convocações de servidores para as próximas semanas.

Julgamento

O júri popular que vai decidir se José Rodrigues Moreira, Lindonjonson Silva Rocha e Alberto Lopes do Nascimento são os assassinos do casal de extrativistas começará nesta quarta-feira.

O caso será julgado na Vara da Violência Doméstica e do Tribunal do Júri, um ano após aceitação da denúncia pelo juiz Murilo Lemos Simão. A previsão é que o julgamento seja encerrado na noite da quinta-feira (4).

Os três acusados estão presos preventivamente desde setembro de 2011, acusados do crime. Segundo as investigações, o casal foi morto na zona rural do município de Nova Ipixuna (a 582 km de Belém), quando passava de moto por uma ponte. Eles foram vítimas de uma emboscada, alvejados a tiros e mortos. Antes de ser assassinado José Cláudio teve parte da orelha direita arrancada "como prêmio pela execução do delito", segundo a denúncia do MP-PA (Ministério Público do Pará), autor da denúncia.

Os homicídios ainda têm três qualificadoras apontadas pela promotoria: motivo torpe –que foi a disputa pela posse de terra--, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa das vítimas.

Os acusados negam a autoria do crime e afirmam que são vítimas de armação.

"No YouTube você encontra o José Cláudio e a mulher, nos EUA, falando que estavam sendo ameaçados por fazendeiros, carvoeiros e madeireiros. Eles defendiam a natureza, e isso atinge diretamente os interesses econômicos dessas pessoas. Não havia conflito nenhum entre os acusados e a vítima. Eles mal se conheciam. Foi uma montagem, uma farsa para pegar pessoas como bode expiatório devido às pressões internacionais. Esse é um caso com interesse governamental", disse o advogado dos dois acusados, Wandergleisson Fernandes Silva.

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