Dez anos em 284 páginas

Início da década de 70. Caminhões cheios de soldados cruzam a cidadezinha de Paragominas, no Pará. O pequeno Pedro César Batista ainda não sabia o porquê da movimentação mas até o final da década iria descobrir: a quase 600 quilômetros dali, na região do Araguaia, estava sendo travado um dos mais sangrentos massacres da ditadura militar. Também não sabia que no final daquela década seria a vez dele próprio ser perseguido pelos militares.

Após a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, Pedro fez um requerimento ao Arquivo Nacional; queria saber as informações guardadas pelos militares sobre seu tempo de militância. “Recebi 284 páginas. Constam relatos, datas, nomes e a reprodução de discursos e argumentações de reuniões realizadas em locais públicos e fechados. Todo esse material foi reunido pelo SNI [Serviço Nacional de Informações] entre 1979 e 1989. Mesmo depois da abertura política, em 1985, o serviço de informação continuou agindo”.

Pedro começou a militar em 1979, então com 15 anos, influenciado por seu irmão, João Carlos, líder do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, o MR8, no Pará. Começou no movimento estudantil, como diretor de imprensa da União dos Estudantes Secundaristas do Pará (UESP), e em 1984 passou para a Vanguarda Revolucionária 12 de Outubro, a VR12, organização que atuava em prol dos camponeses.

“[Havia] uma sensação de insegurança, preocupação, cuidado com o que se falava ou fazia. Algumas vezes assuntos tratados internamente eram vazados e se tornavam públicos. Todos os cuidados eram tomados com o que se falava, se escrevia e com os materiais de estudo. Em nossas reuniões sempre havia um dedo-duro. Hoje, depois que tive acesso aos documentos do SNI sobre a minha vida, vejo que as nossas reuniões, até mesmo nossos discursos eram gravados na íntegra. Era um tempo de medo e insegurança, mas nossos ideais e sonhos eram consistentes, tínhamos ideologia e isso nos animava a seguir o combate”, relata.

Para não serem pegos, encapavam os livros, realizavam reuniões clandestinas e preferiam a madrugada para executar algumas tarefas. Como não atuou na luta armada, a estratégia de Pedro era fazer propaganda ideológica através de pichações em muros, panfletagem e elaboração de cartilhas para serem entregues à população. Mesmo com todos os cuidados foi preso duas vezes. A primeira foi em 79, a caminho de uma passeata estudantil em Belém. A outra foi em 83, quando foi espancado por Mário Malato, delegado do DOPS/Pará.

Vários de seus amigos não tiveram a mesma “sorte”. Em dez anos, desde que começou a militar, 18 amigos foram mortos pelo regime, entre eles João Carlos, seu irmão. Ele havia sido eleito deputado estadual em 86 pelo PSB, partido que acolheu integrantes do MR8 e do VR12, mas seu mandato durou pouco menos de dois anos. Em 6 de dezembro de 1988 João Carlos Batista foi assassinado diante de seus filhos e de sua esposa.

Pedro ficou mais dois anos no Pará, depois se mudou para São Paulo. Hoje ele mora em Brasília e trabalha como jornalista, escritor e consultor para movimentos sociais. Engana-se, porém, quem imagina que Pedro se acomodou. “O tempo é outro, mas o controle e a vigilância continuam. Se naquele tempo era a repressão violenta, hoje a repressão é ideológica, cultural, através da imposição de conceitos, comportamentos e de práticas que servem aos interesses da classe dominante. A vigilância agora é ideológica e segundo os valores do mercado. A pulverização que há no movimento é fruto do planejamento estratégico de dominação do capital. Não há mais o comprometimento com a luta nem com o combate ao capitalismo. Propaga-se que não há mais esquerda nem direita, que não vale a pena lutar. Tudo isso é parte da dominação do povo aplicada pelo sistema. Mudou bastante em relação à liberdade individual, mas coletivamente continua a criminalização aos que ousam lutar”.

Autor: Paulo Fávari
Estudante de Jornalismo da ECA-USP.
https://paulofavari.wordpress.com/2012/11/28/dez-anos-em-284-paginas/#comment-481
Inicialmente publicado no jornal Claro!

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