“Já perdi as contas de quantas ameaças sofri”, diz sindicalista que perdeu marido assassinado no Pará

Maria Joel trabalha em Marabá e conhecia casal de extrativistas morto na semana passada

José Henrique Lopes, do R7


Avisos não faltam. Só neste ano, Maria Joel Dias da Costa, de 48 anos, diz ter recebido pelo menos duas ameaças de morte. Quando é perguntada sobre outras vezes em que atendeu telefonemas ou ouviu recados de gente que pretende matá-la, diz que parou de contar.

- São inúmeras, não sei nem a conta. É ameaça por telefone, mandam recado para mim dizendo “essa mulher teimosa tem que morrer”.

Maria, coordenadora da Fetagri (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) na região de Marabá, sudeste do Pará, integra uma lista da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em que estão nomes de pessoas que receberam mais de uma ameaça nos últimos dez anos. Ao todo, a entidade conta mais de 1.800 pessoas ameaçadas, das quais 42 foram mortas.

Assim como Maria, são centenas de ativistas e trabalhadores rurais que vivem sob risco por defenderem direitos básicos como o acesso a um pedaço de terra e a exploração racional da natureza.

Nas últimas duas semanas, pelo menos outros cinco casos entraram para essas estatísticas de assassinato, todos na região Norte, onde estão os principais focos de tensão e conflitos agrários do país. No crime que ganhou maior repercussão, os extrativistas José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito do Santo foram mortos em uma estrada da região de Nova Ipixuna, perto de Marabá.

As mortes dessas duas pessoas, com as quais Maria conviveu, trouxe a ela a lembrança do assassinato de seu próprio marido. Após sofrer ameaças durante oito anos, no dia 21 de novembro de 2000, José Dutra da Costa, o Dezinho, foi baleado em sua casa por um pistoleiro que havia se disfarçado de trabalhador.

- Isso já faz parte da nossa luta, da nossa história. No Pará, não é novidade. Todas as conquistas que tivemos aqui custaram muitas vidas, muito sangue foi derramado, e eu sou uma das vítimas dessa história.

Dezinho era presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. Além da luta, Maria herdou dele também as ameaças que recebia.

- Já foram no meu local de trabalho duas vezes. Onde já se viu a ousadia dos bandidos de irem no seu trabalho e dizer “não, essa mulher não pode denunciar a morte do marido e pedir Justiça. Ela tem é que calar a boca”. Que história é essa? Que Brasil de todos é esse?

Hoje, anda escoltada por dois policiais. Se não fosse assim, diz, certamente já teria perdido a vida.

- Parece que o Estado só toma pé da situação quando acontece uma morte. Quantas vezes a dona Maria e o José Claudio fizeram reportagens, deram entrevistas dizendo “nós somos ameaçados de morte”, e qual foi a providência que o Estado tomou? Nenhuma.

Segundo ela, o Brasil só passa a olhar para a grave situação de violência e impunidade que reina no Norte quando um novo assassinato vira notícia.

- É preciso perder os defensores dos direitos humanos, que defendem a vida, que lutam para viver. O Estado só abre os olhos quando não tem mais o denunciante. Depois que as pessoas morrem é que o Brasil volta o olhar.

Questionada se alguma vez, por causa do medo de morrer, pensou em deixar a região, Maria lembra que é um direito seu morar e trabalhar no local em que construiu a vida.

- Não, porque eu compreendo que não estou fazendo nada que possa me impedir de viver no Estado e no município. Eu continuo na luta pelo direito de permanecer no local em que a gente trabalha. O homem e a mulher do campo e da floresta têm o direito de viver.

http://noticias.r7.com/brasil/noticias/-ja-perdi-as-contas-de-quantas-ameacas-sofri-diz-sindicalista-que-perdeu-marido-assassinado-no-para-20110605.html

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