O Círculo Vicioso dos Venenos Agrícolas

Frei Sérgio Antônio Görgen, Via Campesina

O agronegócio representa a mais nova fase da modernização conservadora do latifúndio brasileiro, reforçando todas as perversidades de suas fases anteriores: trabalho degradante, concentração de terra e renda, destruição ambiental, enormes monocultivos dominando territórios inteiros, êxodo rural e miséria nas cidades próximas ao seu entorno. Além destas mazelas que nos perseguem desde o regime das sesmarias e da escravidão, novas se lhe acrescentam em sua fase atual: dependência do capital financeiro drenando lucros imensos da terra aos bancos, dependência genética das sementes hibridas e transgênicas controladas pelas multinacionais, mecanização pesada e agressiva ao solo e ao meio ambiente, padronização produtiva empobrecendo a dieta alimentar da população, alta dependência de insumos derivados de petróleo e a dependência química dos agrovenenos.

Chamados equivocadamente de “defensivos” agrícolas, de agrotóxicos e até de “remédios” para as plantas, os venenos agrícolas transformaram-se numa das piores facetas do agronegócio brasileiro. Isto porque suas conseqüências afetam toda a população: os que trabalham e os que comem. E como ele se torna dominante e hegemônico no fornecimento de insumos e no direcionamento da comercialização da produção, arrasta grande parte dos pequenos agricultores para o seu modelo tecnológico de produção, embora em menor escala de dependência.

O Brasil se tornou, em dois anos seguidos (2008 e 2009), campeão mundial de consumo de agrovenenos. É um campeonato sem nenhuma glória. Somos a agricultura mais envenenada do mundo. São mais de cinco quilos de venenos por habitante/ano. É a dependência química do agronegócio. Esta dependência química virou um círculo vicioso.

Somos um país tropical com uma variante sub-tropical no sul. Nossos biomas são altamente diversificados quanto às formas de vida. A natureza criou aqui uma enorme biodiversidade graças às variedades de solo, climas, umidade e regime de chuvas. Mas o modelo de agricultura que copiamos aqui veio de países frios, com baixa biodiversidade ( Europa e Estados Unidos). Os extensos monocultivos criam uma natureza artificial em ambientes antes diversificados. Esta homogeneização traz desequilíbrios ambientais que geram proliferação descontrolada de insetos, fungos e plantas que concorrem com os monocultivos reduzindo a produtividade. A fórmula é aplicar venenos para combater a chamadas “pragas”. Estas, por sua vez, adquirem resistências aos venenos e se multiplicam apesar deles. A solução apresentada é aplicar doses mais fortes e novos venenos ditos mais eficazes. Neste círculo vicioso vieram as plantas transgênicas, resistentes a venenos herbicidas de amplo espectro ou inserindo o inseticida na própria célula da planta, atingindo os insetos alvo e não alvo, ao se alimentarem da mesma. A propaganda dizia que com os transgênicos diminuiria o consumo de venenos. Aumentou. Hoje há inúmeras plantas e insetos resistentes aos venenos aplicados nas plantas transgênicas. Qual a solução? Doses mais fortes, maior números de aplicações e novos venenos. Este é o círculo vicioso da dependência química do agronegócio: quanto mais veneno usa, mais veneno precisa usar.

Este círculo vicioso dependente de verdadeiros coquetéis de agrovenenos já pressiona custos e encarece a produção.

A indústria química agradece. Quanto maior consumo de veneno mais seus lucros vão para a estratosfera. Quem perde é o povo: comida envenenada, águas contaminadas (tanto águas de superfície como águas subterrâneas), ar poluído de resíduos químicos, montanhas de embalagens com destino inadequado, solos contaminados com resíduos químicos persistentes, pessoas adoentadas. Seres humanos com doses cavalares de venenos agrícolas na pele, no estômago, no sangue, no fígado. As principais vítimas são os pequenos agricultores, os trabalhadores rurais do agronegócio e os consumidores pobres. .O câncer já é uma epidemia entre agricultores e trabalhadores rurais. Doenças de pele, dores de cabeça constantes e depressão também são comuns. A indústria química se esbalda. As indústrias que fabricam venenos são as mesmas que fabricam medicamentos e o lucro redobra. Dane-se o ser humano. O capitalismo é o regime do lucro, não das pessoas. Os consumidores ricos, porém, tem informações e dinheiro para procurar as gôndolas de produtos orgânicos nos supermercados. Eles sabem criar oásis para protegê-los dos desertos que criam ao seu redor.

O diagnóstico médico e o sistema público de saúde continua cego a esta triste realidade.

O que argumentam é que não há outra saída. Ou produzimos com venenos ou passamos fome. Já há uma cultura do veneno. Em regiões do Brasil já são três a quatro gerações de agricultores que só sabem produzir com venenos. Criou-se uma dependência cultural. Há também uma dependência técnica do veneno. Os órgãos públicos de pesquisa e extensão pouco fizeram para pesquisar e divulgar técnicas e concepções de sistemas agroecológicos de produção. E muito fizeram, com dinheiro público, para generalizar o modelo de agricultura dependente da indústria química.

Alternativas existem. Exige esforço conjunto e tempo. Planos de médio e longo prazo. Associar pesquisa e educação com políticas agrícolas e participação popular. O tempo e a consciência vão impor a busca de alternativas. Elas estão ao alcance da mão. É necessário iniciar imediatamente a transição, que será longa, do agronegócio químico-dependente para a agricultura camponesa agroecológica, diversificada, solos restaurados, meio ambiente equilibrado, insumos orgânicos, mecanização leve e adequada, agroindústrias descentralizadas, etc.

A Reforma Agrária e a valorização do trabalho humano no campo voltam com a força de uma exigência de toda a sociedade que quer alimentos saudáveis e natureza preservada.

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