Situação do trabalho no Brasil de hoje




Por Flávia Vastano Manso

Faço um convite a uma reflexão não só sobre a condição do trabalho, mas sobre a do próprio trabalhador em nosso contexto pós-industrial. As novas formas de organização do trabalho iniciadas na década de 80 resultaram numa profunda degradação das relações do trabalho. Há desafios tanto no acesso e na remuneração do trabalho, como nas suas condições de exercício.

No mundo e no Brasil, neste mais emblematicamente a partir dos anos 90, desencadeia-se um processo de reestruturação produtiva do capital, tanto como consequência da forte corrente de desregulamentações propiciada pelo paradigma neoliberal, como pelo conjunto de transformações no mundo do trabalho globalizado. Inclui-se, também, o impacto das inovações tecnológicas e dos receituários de gestão (Toyotismo e acumulação flexível) na intensificação e na insegurança do trabalho.

Há muitos transtornos das condições do exercício do trabalho, evidenciadas no profundo mal-estar dos trabalhadores frente suas atividades mais rotineiras no ambiente de trabalho, e mesmo fora dele. Exige-se cada vez mais um perfil polivalente frente à flexibilização das tarefas, ao mesmo tempo em que recai sobre o trabalhador maior responsabilidade sobre a gerência de seu trabalho. Diminui o papel de uma autoridade supervisora. O funcionário deve dar respostas rápidas, tomando decisões em diferentes contextos e respondendo por elas. Como diz no artigo “é preciso re-a-gir. Todo o tempo em qualquer lugar”.

Se de um lado, as revoluções tecnológicas permitiram produzir mais em menos tempo, as ferramentas de comunicação trazidas com elas nos levaram a fluxos cada vez mais intensos. Portanto, vivemos a “sociedade da urgência”. Ao invés da tecnologia reduzir a jornada de trabalho, ela acabou por intensificar a já existente. Mas a exigência não é só pela rapidez e quantidade, é substancialmente pela qualidade também. A pressão sobre o trabalhador é, sem dúvida, enorme.

É cada vez menor a proporção do salário fixo em relação a variações por metas atingidas. O funcionário vira, em algum sentido, uma espécie de sócio do negócio. O salário do trabalhador depende da condição da empresa. Chega-se ao absurdo, como acontece na companhia telefônica Mobilzone, do empregado ter seu salário reduzido se o cliente que ele conquistou se tornar mal pagador ou cancelar a assinatura. O que se percebe em tudo isso, é um enfraquecimento nos parâmetros tradicionais de negociação do salário, tais como inflação e produtividade física, para um modelo em que a remuneração está muito baseada no quanto o funcionário é capaz de agregar à empresa em termos de lucros finais.

Com o ideário japonês e a lógica da acumulação flexível, aliados a desregulamentação do trabalho, aumenta-se a precarização na contratação da mão-de-obra. Assumem-se inúmeras formas de subcontratação ou terceirização, bem como reterritorialização de plantas ou unidades produtivas onde a remuneração pelo trabalho é menor. Sem falar nos atrativos incentivos e isenções fiscais concedidos pelo poder público muitas vezes em guerra fiscal com outras unidades federativas ou países.

No Brasil, o salário mínimo perdeu substancialmente o seu poder aquisitivo principalmente se comparado com o governo JK. Neste período o salário mínimo equivaleria em termos atuais R$ 1.580,00. Ainda assim, esse valor não seria suficiente para cumprir os seus desígnios. Segundo o DIEESE, um trabalhador brasileiro deve receber pelo menos R$ 2.003,00 para atender as suas necessidades vitais básicas e de sua família. Até porque, a urbanização nas ultimas décadas trouxe novas necessidades e padrões mínimos de consumo.

Realmente a baixa remuneração atrai empresas estrangeiras para o Brasil. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que o não desenvolvimento tecnológico no setor produtivo é em alguma medida, causa dos salários baixos. Isso porque aqui é mais rentável o uso maciço de mão-de-obra do que proporcionar investimentos em pesquisa e tecnologia. Uma outra dimensão do problema é que padrões produtivos tecnologicamente mais desenvolvidos, combinados a uma mão-de-obra mais qualificada, geram desemprego quando aumentam a superexploração da força de trabalho. A máquina substitui o trabalhador e um trabalhador valerá por dois.

Se formos pensar na evolução da pobreza no Brasil, veremos que a sua maior composição está hoje entre a população ativa, conseqüência do desemprego e da ocupação precária. Antes, os inativos eram a maior parcela em situação de pobreza. Entre 1989 e 2005, vê-se aumento dos ativos na participação relativa no total da população pobre (de 43,3% para 52%) e redução dos inativos (de 56,7% para 48%). Este segmento foi beneficiado pelas políticas sociais previstas na constituição de 1988, sendo, portanto, o motivo dessa mudança muito mais pelo assistencialismo, do que por transformações estruturais no sistema sócio-produtivo.

Hoje em dia, simplesmente ter acesso ao mercado de trabalho, não é condição suficiente para sair da situação de pobreza absoluta. A prova maior disso é o crescimento de 53,9% da taxa de pobreza entre os empregados se compararmos novamente o ano de 1989 com 2005. Da década de 90 em diante, a queda da pobreza no país diminuiu muito mais em decorrência ao aumento do gasto social pelo poder público. Uma resposta aos preceitos da constituição de 1988.

Mas o segmento ativo, aqueles que dependem de forma exclusiva do trabalho para o seu sustento, tornar-se mais vulnerável e, portanto, novos desafios de combate a pobreza estão postos. Aqui já temos dois desdobramentos diferentes de pobreza: a promovida pelo desemprego; e a dos que estão em ocupações, e mesmo assim não conseguem garantias mínimas para sua vida. Medidas que “aparam as arestas” não vão resolver um problema que se revela basicamente estrutural.

Vivenciamos um período em que os ganhos de produtividade, trazidos pela revolução tecnológica no setor produtivo, teoricamente, nos permitem trabalhar menos para a manutenção da vida. Isso significaria um espaço maior na vida das pessoas para se dedicarem ao saber, a educação, ao convívio e outros temas que envolvem o existir humano conforme as escolha de cada um, seja lá quais forem. Um outro paradigma de civilização. Mas a recriação de outras necessidades, de novos padrões de consumo, de status e ainda um desequilíbrio e uma desestruturação profunda socioeconômica põe em cheque a simples mentalização desta idéia.

O que podemos concluir é que além do acesso ao mercado de trabalho ser limitado, estar incorporado a ele nem sempre garante um bem-estar mínimo. Seja pela baixa remuneração, seja pela insegurança do emprego, ou mesmo pelo aspecto psicológico e da degradação das relações humanas no trabalho. A vida que cada vez mais gira em torno do trabalho e, portanto, expõe mais e mais os indivíduos a essas condições, nos leva a uma existência de insatisfação.

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