MST vai “às ruas” para garantir novos índices
Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Mentor e principal dirigente do MST, o economista João Pedro Stédile reconhece que a destruição do laranjal, em uma fazenda no interior de São Paulo, “foi negativa” para o movimento e demonstra estar consciente de que a CPI que investigará os repasses de dinheiro público para a organização deve ser instalada, mas avisa que os sem-terra estão atentos e reagirão caso o governo se dobre à pressão dos ruralistas e não mexa na estrutura da propriedade da terra no Brasil. – Vamos às ruas para garantir a atualização dos índices de produtividade – afirma Stédile nessa entrevista ao Jornal do Brasil ao tocar na questão principal da fase atual da luta pela terra. A adoção dos novos índices, compromisso do governo com o MST, deve gerar desapropriações e aumentar os estoques de terra disponíveis para a reforma agrária. Ainda assim, o dirigente diz que, “infelizmente”, o presidente Lula perdeu a “oportunidade histórica de fazer a reforma”. Sobre a acusação de que o MST utiliza ONGs de fachada para receber recursos públicos, Stédile lembra que o repasse de recursos são feitos através de um sistema de convênios desenhado por Fernando Henrique Cardoso e garante que o MST não usa dinheiro público para invadir terras. – As ONGs fazem o papel que deveria ser do governo – afirma.
O governo deve tomar uma decisão em breve sobre os novos índices de produtividade para as grandes propriedades rurais. Que impacto a mudança pode provocar na estrutura fundiária?
- O impacto é pequeno. Mesmo assim, os latifundiários, o agronegócio e a mídia conservadora não admitem que se cumpra a Lei agrária, que determina a atualização regular dos índices de produtividade. Os dados utilizados atualmente são de 1975. Por que eles têm tanto medo? Fora isso, não basta apenas atualização dos índices para fazer a Reforma Agrária. É preciso mudar o modelo agrícola e cumprir a Constituição, que determina que sejam desapropriadas as grandes áreas que não tem função social e não cumprem a lei trabalhista, agridam o ambiente e estejam abaixo da média da produtividade. O censo do IBGE concluiu que temos menos de 15 mil latifundiários com áreas maiores de 2.500 hectares, com um total de 98 milhões de hectares. É muita terra nas mãos de pouca gente, que nem mora no campo.
O MST está confiante numa decisão favorável à revisão dos índices, ou há o receio de que o governo recue do compromisso assumido? Como o senhor imagina que o governo vai administrar a resistência do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes?
- Quando o governo fez o anúncio da atualização dos índices, já sabia da reação dos setores conservadores e da posição do ministro do agronegócio. Não é uma surpresa. Quem ganhou a eleição foi o Lula, não o ministro. Não acreditamos que o governo volte atrás. A mudança dos índices é uma reivindicação dos camponeses e dos setores progressistas da sociedade. Somente com a força do apoio popular ao governo Lula poderão ser modificados. E estamos atentos e vamos voltar às ruas para denunciar a ofensiva do latifúndio e garantir a atualização dos índices.
De que maneira o fato do governo oscilar politicamente entre o agronegócio e a agricultura familiar afeta as ações do MST? E como o senhor resumiria a visão que o MST tem hoje do que foram esses sete anos de governo Lula? Qual é o aspecto mais positivo e qual o mais negativo?
- Infelizmente, o governo não fez a Reforma Agrária e perdemos mais uma oportunidade histórica. O censo agropecuário demonstra que aumentou a concentração de terras no Brasil, que é líder nesse vergonhoso ranking mundial. Temos famílias acampadas há seis anos. O governo é de composição de interesses, sob hegemonia dos bancos, das transnacionais e do agronegócio. A agricultura familiar e camponesa é mais eficiente, produz alimentos em menor área, gera mais empregos, embora receba menos recursos do que o agronegócio.
A repercussão da destruição de parte do laranjal na área ocupada pela Cutrale e a conjuntura podem impor alguma mudança de tática do MST? O movimento repetiria as ações no local?
- A repercussão foi negativa. Foi uma manipulação midiática e ideológica, a partir de uma atitude desesperada das famílias acampadas. Viver em um acampamento por anos e anos leva a uma situação limite. Há muitos vandalismos que o agronegócio e o latifúndio cometem que são consentidos pela mídia. Não podemos aceitar o vandalismo do agronegócio de usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o ambiente, envenenam as águas e os alimentos. Depois de diversas ocupações na fazenda da Cutrale, conseguimos denunciar que a maior empresa do setor de suco de laranja do mundo usa um artifício arcaico da grilagem de terras. Por conta do monopólio da Cutrale no comércio de suco e da imposição dos preços, agricultores que plantam laranjas foram obrigados a destruir entre 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais.
A ação contribuiu para aumentar o apoio de parlamentares à CPI do MST? Como o movimento reagirá à sua possível instalação? O senhor teria algum problema para comparecer ao Congresso e prestar esclarecimentos?
- Essa CPI é contra o MST. A Rede Globo forjou um escândalo contra a Reforma Agrária. As imagens foram utilizadas pela direita, pela bancada ruralista e pela mídia para desgastar o MST e forçar uma CPI que já tinha sido derrotada. Já foram criadas as CPI da Terra e das Ongs contra o nosso movimento, com investigações exaustivas sobre os temas requentados atualmente. Podemos prestar todo e qualquer esclarecimento. Já existem instituições que fazem o controle dos convênios do governo com entidades da Reforma Agrária, como o CGU, TCU e o MP. Esses parlamentares não confiam nesses órgãos? O tanto de CPI instaladas no último período levaram esse instrumento importante a uma banalização. A CPI contra o MST, por exemplo, tem motivação eleitoral. O demo Ronaldo Caiado, que é fundador da UDR, confessou que o verdadeiro objetivo da CPI é comprovar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação é no mínimo ridícula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva e reacionária como todo latifúndio.
Qual a relação que o MST mantém com as ONGs que receberam verbas do governo e são apontadas como entidades de fachada do movimento?
- As entidades da Reforma Agrária atuam em assentamentos do MST e de outros movimentos sociais e sindicais, prestam serviços nas áreas de produção agrícola, assistência técnica e educação. Contratam professores e agrônomos para atuar nos assentamentos. Fazem o papel que deveria ser do Estado. O Estado foi dilapidado pelo governo FHC, que inventou essa história de convênios com Ongs. Nós sempre defendemos que o Estado retome os serviços de natureza pública, tanto nos assentamentos como em todo país. Nunca utilizamos dinheiro público para fazer ocupação de terra. Os inimigos da reforma agrária atacam essas entidades porque querem que os assentamentos dêem errado. Se estão preocupados com o dinheiro público, por que não fazem investigações sobre os recursos destinados aos empresários do sistema S, do SENAR e SESCOOP? E essas feiras de agroexposição para fazer propaganda e tantos outros utilizados sempre em beneficio do latifúndio e dos ricos? Você tem idéia de quanto o Tesouro Nacional paga por ano das diferenças de juros das renegociações de dívidas dos ruralistas? São mais de 2 bilhões de reais!
Como o senhor avalia a reação de autoridades do governo, especialmente do presidente Lula condenando e classificando o ato de “vandalismo”? Surpreendeu a maneira veemente como figuras que trabalham pela reforma agrária dentro do governo, a exemplo do ministro Guilherme Cassel e do presidente do Incra, Rolf Hackbart, criticaram a ação?
- Nós também condenamos vandalismo. O presidente Lula e os ministros não tinham conhecimento da versão das famílias acampadas e do ministro de Segurança Institucional general Félix. As famílias nos disseram que não roubaram nem depredaram nada. Da saída das famílias até a entrada da imprensa, o espaço da fazenda foi preparado para produzir imagens de impacto. A direita utilizou repetidamente por meio da mídia as imagens contra a Reforma Agrária. Não vimos nunca a imprensa denunciar a grilagem nem a super-exploração que a Cutrale impõe aos agricultores. O vandalismo da violência social nas grandes cidades provocadas pelo êxodo rural parece não escandalizar a mídia. Vocês do Rio não assistem os vandalismos provocados pelas forças de repressão em despejos de famílias sem teto. A polícia de São Paulo usou trator de esteira para destruir barracos em uma favela. Isso sim é vandalismo contra o povo brasileiro.
Que análise o senhor faz do censo agropecuário do IBGE?
- É um retrato da realidade agrária brasileira, uma vez que os pesquisadores vão pessoalmente a todos os estabelecimentos agrários. Os dados demonstram o que já estávamos denunciando e sentindo no dia a dia: nos últimos dez anos, houve uma brutal concentração da propriedade da terra no Brasil. As propriedades acima de mil hectares controlam nada menos que 43% de todas as terras do país. Já as propriedades com menos de 10 hectares detêm apenas 2,7% das terras. Por outro lado, comprovou que a agricultura familiar e camponesa emprega 75% da mão-de-obra e produz 75% de todos os alimentos, embora receba menos financiamento público. Demonstrou que o agronegócio é um modelo para produzir commodities, às custas da concentração de terras, do êxodo rural, do aumento da pobreza e do envenenamento dos alimentos e da nossa natureza. É um escândalo!
E da pesquisa da CNA/Ibope sobre os assentamentos?
- Foi uma pesquisinha de opinião em nove assentamentos, que não tem relevância nenhuma. É uma perda de tempo. Nos surpreende o Ibope e a imprensa gastar tempo com isso. Um estudo relevante e necessário faria a comparação da situação de uma área antes e depois da criação do assentamento, mesmo nesse quadro desfavorável para a pequena agricultura e para os assentamentos.
Qual é a realidade dos assentamentos rurais em geral, em especial daqueles que resultaram da luta organizada pelo MST? Qual a maior dificuldade enfrentada hoje pelas famílias assentadas?
- Muitos assentamentos ainda enfrentam muitas dificuldades nas áreas de infra-estrutura
pública e crédito para produção. No entanto, os assentados deixam de ser explorados, têm trabalho, comida e escola para os filhos. A maioria já tem uma casa própria melhor de quando eram sem-terra. A maior dificuldade é que os assentamentos sozinhos não se viabilizam, sem que haja uma prioridade para um novo modelo agrícola. Precisamos de um programa para a implantação de agroindústrias, na forma de cooperativas, para que se agregue valor e os trabalhadores aumentem a renda e dêem emprego aos jovens. É preciso construir escolas e capacitar professores em todos os níveis, para os jovens não irem para a cidade. É necessário um programa para o desenvolvimento de técnicas agroecológicas, que permitem aumentar a produtividade sem usar veneno, produzindo assim alimentos sadios e baratos para a cidade.
Entre os "presidenciáveis", quem mais agrada ao MST e seus militantes? Mais especificamente, a ministra Dilma Rousseff pode contar com o apoio do movimento em 2010? E a conjuntura política pós-Lula pode forçar alguma mudança tática do movimento?
- Sempre preservamos a nossa autonomia. Os nossos militantes participam das eleições como cidadãos brasileiros. Claro que sempre votam em candidatos que sejam a favor da reforma agrária e de mudanças sociais. Nossa vontade política é impedir a volta do neoliberalismo e discutir um projeto popular de desenvolvimento para o país, que faça mudanças estruturais para resolver os problemas do povo. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha e passa usar todos expedientes para tentar impedir qualquer mudança.
BRASÍLIA - Mentor e principal dirigente do MST, o economista João Pedro Stédile reconhece que a destruição do laranjal, em uma fazenda no interior de São Paulo, “foi negativa” para o movimento e demonstra estar consciente de que a CPI que investigará os repasses de dinheiro público para a organização deve ser instalada, mas avisa que os sem-terra estão atentos e reagirão caso o governo se dobre à pressão dos ruralistas e não mexa na estrutura da propriedade da terra no Brasil. – Vamos às ruas para garantir a atualização dos índices de produtividade – afirma Stédile nessa entrevista ao Jornal do Brasil ao tocar na questão principal da fase atual da luta pela terra. A adoção dos novos índices, compromisso do governo com o MST, deve gerar desapropriações e aumentar os estoques de terra disponíveis para a reforma agrária. Ainda assim, o dirigente diz que, “infelizmente”, o presidente Lula perdeu a “oportunidade histórica de fazer a reforma”. Sobre a acusação de que o MST utiliza ONGs de fachada para receber recursos públicos, Stédile lembra que o repasse de recursos são feitos através de um sistema de convênios desenhado por Fernando Henrique Cardoso e garante que o MST não usa dinheiro público para invadir terras. – As ONGs fazem o papel que deveria ser do governo – afirma.
O governo deve tomar uma decisão em breve sobre os novos índices de produtividade para as grandes propriedades rurais. Que impacto a mudança pode provocar na estrutura fundiária?
- O impacto é pequeno. Mesmo assim, os latifundiários, o agronegócio e a mídia conservadora não admitem que se cumpra a Lei agrária, que determina a atualização regular dos índices de produtividade. Os dados utilizados atualmente são de 1975. Por que eles têm tanto medo? Fora isso, não basta apenas atualização dos índices para fazer a Reforma Agrária. É preciso mudar o modelo agrícola e cumprir a Constituição, que determina que sejam desapropriadas as grandes áreas que não tem função social e não cumprem a lei trabalhista, agridam o ambiente e estejam abaixo da média da produtividade. O censo do IBGE concluiu que temos menos de 15 mil latifundiários com áreas maiores de 2.500 hectares, com um total de 98 milhões de hectares. É muita terra nas mãos de pouca gente, que nem mora no campo.
O MST está confiante numa decisão favorável à revisão dos índices, ou há o receio de que o governo recue do compromisso assumido? Como o senhor imagina que o governo vai administrar a resistência do ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes?
- Quando o governo fez o anúncio da atualização dos índices, já sabia da reação dos setores conservadores e da posição do ministro do agronegócio. Não é uma surpresa. Quem ganhou a eleição foi o Lula, não o ministro. Não acreditamos que o governo volte atrás. A mudança dos índices é uma reivindicação dos camponeses e dos setores progressistas da sociedade. Somente com a força do apoio popular ao governo Lula poderão ser modificados. E estamos atentos e vamos voltar às ruas para denunciar a ofensiva do latifúndio e garantir a atualização dos índices.
De que maneira o fato do governo oscilar politicamente entre o agronegócio e a agricultura familiar afeta as ações do MST? E como o senhor resumiria a visão que o MST tem hoje do que foram esses sete anos de governo Lula? Qual é o aspecto mais positivo e qual o mais negativo?
- Infelizmente, o governo não fez a Reforma Agrária e perdemos mais uma oportunidade histórica. O censo agropecuário demonstra que aumentou a concentração de terras no Brasil, que é líder nesse vergonhoso ranking mundial. Temos famílias acampadas há seis anos. O governo é de composição de interesses, sob hegemonia dos bancos, das transnacionais e do agronegócio. A agricultura familiar e camponesa é mais eficiente, produz alimentos em menor área, gera mais empregos, embora receba menos recursos do que o agronegócio.
A repercussão da destruição de parte do laranjal na área ocupada pela Cutrale e a conjuntura podem impor alguma mudança de tática do MST? O movimento repetiria as ações no local?
- A repercussão foi negativa. Foi uma manipulação midiática e ideológica, a partir de uma atitude desesperada das famílias acampadas. Viver em um acampamento por anos e anos leva a uma situação limite. Há muitos vandalismos que o agronegócio e o latifúndio cometem que são consentidos pela mídia. Não podemos aceitar o vandalismo do agronegócio de usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o ambiente, envenenam as águas e os alimentos. Depois de diversas ocupações na fazenda da Cutrale, conseguimos denunciar que a maior empresa do setor de suco de laranja do mundo usa um artifício arcaico da grilagem de terras. Por conta do monopólio da Cutrale no comércio de suco e da imposição dos preços, agricultores que plantam laranjas foram obrigados a destruir entre 1996 a 2006 cerca de 280 mil hectares de laranjais.
A ação contribuiu para aumentar o apoio de parlamentares à CPI do MST? Como o movimento reagirá à sua possível instalação? O senhor teria algum problema para comparecer ao Congresso e prestar esclarecimentos?
- Essa CPI é contra o MST. A Rede Globo forjou um escândalo contra a Reforma Agrária. As imagens foram utilizadas pela direita, pela bancada ruralista e pela mídia para desgastar o MST e forçar uma CPI que já tinha sido derrotada. Já foram criadas as CPI da Terra e das Ongs contra o nosso movimento, com investigações exaustivas sobre os temas requentados atualmente. Podemos prestar todo e qualquer esclarecimento. Já existem instituições que fazem o controle dos convênios do governo com entidades da Reforma Agrária, como o CGU, TCU e o MP. Esses parlamentares não confiam nesses órgãos? O tanto de CPI instaladas no último período levaram esse instrumento importante a uma banalização. A CPI contra o MST, por exemplo, tem motivação eleitoral. O demo Ronaldo Caiado, que é fundador da UDR, confessou que o verdadeiro objetivo da CPI é comprovar que o governo repassa dinheiro para o MST fazer campanha para a Dilma. Essa afirmação é no mínimo ridícula para qualquer sujeito bem informado, se não viesse de uma mente improdutiva e reacionária como todo latifúndio.
Qual a relação que o MST mantém com as ONGs que receberam verbas do governo e são apontadas como entidades de fachada do movimento?
- As entidades da Reforma Agrária atuam em assentamentos do MST e de outros movimentos sociais e sindicais, prestam serviços nas áreas de produção agrícola, assistência técnica e educação. Contratam professores e agrônomos para atuar nos assentamentos. Fazem o papel que deveria ser do Estado. O Estado foi dilapidado pelo governo FHC, que inventou essa história de convênios com Ongs. Nós sempre defendemos que o Estado retome os serviços de natureza pública, tanto nos assentamentos como em todo país. Nunca utilizamos dinheiro público para fazer ocupação de terra. Os inimigos da reforma agrária atacam essas entidades porque querem que os assentamentos dêem errado. Se estão preocupados com o dinheiro público, por que não fazem investigações sobre os recursos destinados aos empresários do sistema S, do SENAR e SESCOOP? E essas feiras de agroexposição para fazer propaganda e tantos outros utilizados sempre em beneficio do latifúndio e dos ricos? Você tem idéia de quanto o Tesouro Nacional paga por ano das diferenças de juros das renegociações de dívidas dos ruralistas? São mais de 2 bilhões de reais!
Como o senhor avalia a reação de autoridades do governo, especialmente do presidente Lula condenando e classificando o ato de “vandalismo”? Surpreendeu a maneira veemente como figuras que trabalham pela reforma agrária dentro do governo, a exemplo do ministro Guilherme Cassel e do presidente do Incra, Rolf Hackbart, criticaram a ação?
- Nós também condenamos vandalismo. O presidente Lula e os ministros não tinham conhecimento da versão das famílias acampadas e do ministro de Segurança Institucional general Félix. As famílias nos disseram que não roubaram nem depredaram nada. Da saída das famílias até a entrada da imprensa, o espaço da fazenda foi preparado para produzir imagens de impacto. A direita utilizou repetidamente por meio da mídia as imagens contra a Reforma Agrária. Não vimos nunca a imprensa denunciar a grilagem nem a super-exploração que a Cutrale impõe aos agricultores. O vandalismo da violência social nas grandes cidades provocadas pelo êxodo rural parece não escandalizar a mídia. Vocês do Rio não assistem os vandalismos provocados pelas forças de repressão em despejos de famílias sem teto. A polícia de São Paulo usou trator de esteira para destruir barracos em uma favela. Isso sim é vandalismo contra o povo brasileiro.
Que análise o senhor faz do censo agropecuário do IBGE?
- É um retrato da realidade agrária brasileira, uma vez que os pesquisadores vão pessoalmente a todos os estabelecimentos agrários. Os dados demonstram o que já estávamos denunciando e sentindo no dia a dia: nos últimos dez anos, houve uma brutal concentração da propriedade da terra no Brasil. As propriedades acima de mil hectares controlam nada menos que 43% de todas as terras do país. Já as propriedades com menos de 10 hectares detêm apenas 2,7% das terras. Por outro lado, comprovou que a agricultura familiar e camponesa emprega 75% da mão-de-obra e produz 75% de todos os alimentos, embora receba menos financiamento público. Demonstrou que o agronegócio é um modelo para produzir commodities, às custas da concentração de terras, do êxodo rural, do aumento da pobreza e do envenenamento dos alimentos e da nossa natureza. É um escândalo!
E da pesquisa da CNA/Ibope sobre os assentamentos?
- Foi uma pesquisinha de opinião em nove assentamentos, que não tem relevância nenhuma. É uma perda de tempo. Nos surpreende o Ibope e a imprensa gastar tempo com isso. Um estudo relevante e necessário faria a comparação da situação de uma área antes e depois da criação do assentamento, mesmo nesse quadro desfavorável para a pequena agricultura e para os assentamentos.
Qual é a realidade dos assentamentos rurais em geral, em especial daqueles que resultaram da luta organizada pelo MST? Qual a maior dificuldade enfrentada hoje pelas famílias assentadas?
- Muitos assentamentos ainda enfrentam muitas dificuldades nas áreas de infra-estrutura
pública e crédito para produção. No entanto, os assentados deixam de ser explorados, têm trabalho, comida e escola para os filhos. A maioria já tem uma casa própria melhor de quando eram sem-terra. A maior dificuldade é que os assentamentos sozinhos não se viabilizam, sem que haja uma prioridade para um novo modelo agrícola. Precisamos de um programa para a implantação de agroindústrias, na forma de cooperativas, para que se agregue valor e os trabalhadores aumentem a renda e dêem emprego aos jovens. É preciso construir escolas e capacitar professores em todos os níveis, para os jovens não irem para a cidade. É necessário um programa para o desenvolvimento de técnicas agroecológicas, que permitem aumentar a produtividade sem usar veneno, produzindo assim alimentos sadios e baratos para a cidade.
Entre os "presidenciáveis", quem mais agrada ao MST e seus militantes? Mais especificamente, a ministra Dilma Rousseff pode contar com o apoio do movimento em 2010? E a conjuntura política pós-Lula pode forçar alguma mudança tática do movimento?
- Sempre preservamos a nossa autonomia. Os nossos militantes participam das eleições como cidadãos brasileiros. Claro que sempre votam em candidatos que sejam a favor da reforma agrária e de mudanças sociais. Nossa vontade política é impedir a volta do neoliberalismo e discutir um projeto popular de desenvolvimento para o país, que faça mudanças estruturais para resolver os problemas do povo. Infelizmente, cada vez que chega o período eleitoral, a direita se assanha e passa usar todos expedientes para tentar impedir qualquer mudança.
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