João Batista, um mártir da luta pela justiça social

Estou muito honrado de atender o pedido do Pedro para apresentar aos leitores de todo o Brasil esse brilhante testemunho sobre uma das páginas mais interessantes da história recente do Pará.

A luta de classes no Brasil se comportou ao longo do século XX na forma de ciclos. Houve períodos de crise do capital e de ascenso do movimento de massas. E houve períodos de avanço do capital, como nos duros anos do regime militar, e de descenso do movimento de massas. Em cada período da luta de classes, a classe trabalhadora e os camponeses criam formas específicas de organização para defender seus direitos. E geram também os
líderes forjados em cada período dessa luta.

A classe trabalhadora brasileira viveu anos muito difíceis durante o regime militar. Mas a partir de 1978, com a crise do modelo de industrialização, a classe trabalhadora começou a mover- se e gerou um amplo processo de mobilização de massas que foi de 78 a 90. Assim foi também na luta de classes do campo. Depois da dura repressão do regime militar, que destruiu todos os movimentos sociais no campo, prendeu, enviou para o exílio e assassinou líderes camponeses, eis que a luta ressurge ainda com mais força. Afinal, os problemas no campo só se acumularam. Mais concentração da terra. Mais apropriação das terras públicas da Amazônia. Mais êxodo. Mais pobreza. Mais sofrimento. Nesse contexto histórico os camponeses da região amazônica retomam também a luta pela terra, pela reforma agrária e por justiça social, com muita intensidade durante todo o período de 78 a 90. Reconstroem movimentos sociais, derrubam pelegos dos sindicatos, participam de centrais sindicais, contribuem na reorganização de partidos políticos de esquerda. E enfrentam o latifúndio com todas as suas forças. No bojo desse processo organizativo e do reascenso das lutas de massas surgem também novos líderes no campo e na cidade.

O latifúndio, acostumado com a proteção do regime militar, aplica sua tática histórica: a violência. Trata de proteger seu capital, seu roubo de terras públicas, seus privilégios, com unhas e dentes. Ou melhor, com balas e corrupção. Para os trabalhadores e seus líderes, a violência física das armas. Para se proteger da lei e do estado, a corrupção. E com seu dinheiro sujo tratam de comprar autoridades de todo tipo: juízes, desembargadores, policiais, políticos, e também colunistas de jornais.

Esse é o contexto brilhantemente descrito por nosso amigo Pedro sobre a realidade do Pará, nos idos de 1978 a 1988. Foi nesse contexto e período que a classe trabalhadora gerou João
Batista e o transformou em seu líder. E por ter sido coerente e fiel à classe, o latifúndio não hesitou: foi assassinado no dia 6 de dezembro de 1988.

Esse livro é importantíssimo e vem em muito boa hora. Ele é um registro fiel das entranhas e detalhes da luta de classes na Amazônia naquele período. Ele é o retrato da vida e dedicação de um dos melhores filhos da classe trabalhadora – que pagou com a própria vida por sua coerência.

Agora, no país, vive-se um novo período de descenso do movimento de massas, de crise ideológica. E esses testemunhos da história são importantíssimos, para que a nova geração de militantes, que ainda não viveu o reascenso e a mobilização de massas e que muitas vezes cai na apatia, no desânimo, nas explicações fáceis, se lembre dos que lutaram antes de nós.

A vida de João Batista é um testemunho permanente. É um exemplo para toda militância. E é um brado de alerta a todos que abandonaram a reforma agrária e se contentam com ilusões da imprensa ou de cargos públicos transitórios. A Amazônia somente será soberana e livre, quando tivermos milhares como João Batista, que se dediquem diuturnamente a organizar nosso povo, no campo e na cidade. E que o povo organizado nas mais diferentes formas, nos sindicatos, movimentos, partidos, derrote o latifúndio. Derrote as empresas transnacionais e seus títeres locais. Derrote todo tipo de manipulação midiática. E que finalmente possamos construir uma sociedade onde todos tenhamos as mesmas oportunidades, os mesmos direitos, onde as riquezas naturais da nossa Amazônia sejam prioritariamente utilizadas para melhorar as condições de vida de todo o povo. E não apenas como fonte de espoliação do capital, seja nacional ou internacional.

Certamente, teremos muito caminho a andar. Mas pelo menos sabemos qual o caminho. E, para trilhá-lo, devemos sempre nos iluminar com os exemplos heróicos do nosso querido João Batista. Seu exemplo não foi em vão.

João Pedro Stedile

Comentários